Tatiana Prazeres, secretária de Comércio Exterior: "Empresas brasileiras devem explorar potencial externo para ter crescimento sustentável"
"Ainda é cedo para afirmar que é uma tendência, mas trabalhamos para que essa desconcentração se amplie como resultado da política comercial brasileira"
"No setor do varejo, o uso de marketplaces internacionais pode ser uma excelente alternativa para expandir a presença no mercado global"
Por Vitor Nuzzi
Uma boa notícia embute outra preocupante: no ano passado, o Brasil atingiu recorde de empresas exportadoras, um total de 28.524. Mas, embora positivo, esse número não chega a 1% das companhias ativas no país. Para a secretária de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Tatiana Prazeres, o mercado interno, a distância de mercados de maior renda e a forte concorrência são alguns desafios a ser enfrentados.
“Apesar das dificuldades, é essencial que as empresas brasileiras explorem o potencial do comércio exterior para seu crescimento sustentável”, afirmou Tatiana, em entrevista exclusiva à DC News. Ela é servidora de carreira e já atuou no setor privado. Também foi funcionária do International Trade Centre (ITC), agência para comércio e desenvolvimento da Organização Mundial do Comércio (OMC) e das Nações Unidas (ONU).
Das mais de 28 mil exportadoras brasileiras, as médias e grandes ainda predominam, representando 59% do total. Há 11 anos, no entanto (em 2013), empresas desse porte correspondiam a 70,8%. Já as microempresas e MEIs, no mesmo período, passaram de 11,6% para 21,2% (alta de quase 83%). E as de pequeno porte, de 16,7% para 18,9% (13,5% superior). Há, ainda, uma pequena participação (0,9%) de companhias não mercantis. Em todos os segmentos, predomina a indústria de transformação. A concentração é nas regiões Sudeste e Sul. As micro e MEIs exportam, principalmente, para América do Norte (27,1%), América do Sul (25,1%) e Europa (20,3%). Confira, a seguir, a entrevista que Tatiana concedeu à DC News.
DC NEWS: “Salvo honrosas exceções, ainda é tímida a atuação externa das empresas brasileiras.” A senhora fez essa observação em um artigo. O que faz com que as exportadoras, apesar do recorde de 2023, não passem de 1% do total?
TATIANA PRAZERES: Alguns fatores contribuem para que a participação de empresas brasileiras no comércio internacional seja baixa. O Brasil possui uma grande economia interna, o que faz com que a maioria das empresas se volte apenas para o consumidor nacional. O país está geograficamente distante dos mercados consumidores de maior renda, como EUA e Europa, e dos de maior população, como a Ásia. Além disso, o comércio internacional é o ambiente de maior concorrência que uma empresa pode enfrentar. Os custos de entrada no comércio exterior podem ser elevados. A empresa precisa se capacitar para conhecer os potenciais mercados, investir em produtividade, diferenciação de produtos, marca, atendimento de requisitos técnicos locais, entre outros.
DCN: Com tantos desafios, quais os benefícios do setor de exportação no Brasil?
TATIANA: Mesmo com todos esses desafios, o comércio internacional propicia inúmeros benefícios. Ele pode aumentar a competitividade das empresas, incentivando a inovação e a melhoria contínua de produtos e serviços. A diversificação de mercados também pode proporcionar maior estabilidade em tempos de crises econômicas locais. Além disso, a inserção em mercados internacionais pode aumentar a visibilidade global da marca e abrir novas oportunidades de negócios e parcerias estratégicas. Portanto, apesar das dificuldades, é essencial que as empresas brasileiras explorem o potencial do comércio exterior para seu crescimento sustentável.
DCN: Até que patamar poderíamos chegar? O MDIC faz alguma projeção?
Tatiana: Estudo da Secex (Perfil das Firmas Exportadoras Brasileiras) mostra que a participação do Brasil está um pouco aquém de países como Argentina, Chile, México e Uruguai. Mostra também que cerca de 10% das firmas da Alemanha, 8% das dos Países Baixos e 5,2% das da Itália exportam. Para os EUA, esse número é de 7%. Esses dados mostram o potencial de crescimento no Brasil, uma vez que as empresas se capacitem, que continuemos a diminuir as barreiras para os exportadores e que as condições de competitividade da economia nacional continuem a melhorar.
DCN: No ano passado, 59% das exportadoras foram empresas médias ou grandes. Em 2013, eram 70,8%. Já as micro e MEIs foram, no mesmo período, de 11,6% para 21,2%. É uma tendência?
Tatiana: Nos últimos dez anos, houve um movimento de desconcentração das exportações brasileiras em relação ao porte das empresas. Ainda é cedo para afirmar que é uma tendência, mas trabalhamos para que essa desconcentração se amplie como resultado da política comercial brasileira.
DCN: Ainda entre as micro e MEIs, 82,3% das que exportam são da indústria de transformação. O que fazer para que outros setores também desenvolvam seu potencial exportador?
Tatiana: A indústria de transformação é um setor bastante amplo, que vai desde alimentos como carnes, mesmo in natura, até eletroeletrônicos e equipamentos para aeronaves. Os outros setores da pauta de exportação, segundo esta classificação, são indústria extrativa e agropecuária. Bens destes dois últimos setores geralmente são homogêneos, com preços determinados internacionalmente e maiores barreiras regulatórias, no caso dos agrícolas. É natural que sejam mais concentrados em grandes empresas, pois demandam escala de produção e venda. Já a indústria de transformação representa os bens com maior grau de diferenciação, os quais podem gerar maiores oportunidades para que empresas de menor porte se destaquem.
DCN: E as pequenas empresas?
Tatiana: As pequenas empresas podem se especializar em nichos específicos, oferecendo produtos personalizados ou de alta qualidade que atendam a demandas específicas de consumidores internacionais. Produtos inovadores e diferenciados têm mais chances de sucesso no mercado externo. Pequenas empresas, muitas vezes, são mais ágeis e capazes de inovar rapidamente em resposta às mudanças do mercado. Desenvolver uma marca forte e uma identidade distinta pode ajudar pequenas empresas a se destacarem no mercado global. Produtos com uma história única ou com atributos específicos, como sustentabilidade ou design exclusivo, podem atrair consumidores estrangeiros.
DCN:O porte é determinante para que uma empresa consiga entrar e se consolidar no mercado externo?
Tatiana: A maior parte dos valores transacionados internacionalmente corresponde às grandes empresas. Entretanto, quando observamos o número de empresas, as de menor porte predominam. O comércio exterior é um grande motor para impulsionar o desenvolvimento das empresas. Com ganho de escala, a empresa pode se desenvolver e crescer. O porte é, de fato, um fator determinante, pois empresas maiores têm mais recursos financeiros, estrutura logística e capacidade de produção para enfrentar os desafios do mercado externo. Além disso, grandes empresas geralmente possuem uma marca mais reconhecida, facilitando a penetração em novos mercados. No entanto, empresas de menor porte podem se destacar pela inovação, flexibilidade e capacidade de adaptação rápida, características que também são valiosas no comércio internacional. Portanto, embora o porte ofereça vantagens, não é o único fator determinante para o sucesso no mercado externo; estratégias bem definidas, conhecimento de mercado, alianças estratégicas e a capacidade de inovar também são cruciais.
Participação de micros e MEIs cresceram nos dez últimos anos Crédito: Portal da Indústria Portal da Indústria
DCN:Em relação a países ou blocos econômicos, as vendas de produtos brasileiros têm crescido mais para que mercados? China, provavelmente? O Mercosul poderia crescer mais?
Tatiana – O Mercosul é um mercado preferencial para o Brasil e com menores custos de transação, de transporte, tarifas zeradas etc., o que favorece as trocas comerciais. Paraguai e Uruguai são mercados que têm crescido nos últimos anos, mas o tamanho das populações desses países limita a quantidade de mercadorias que podem absorver. A Argentina é um parceiro tradicional, com potencial de ganho e recuperação como mercado consumidor de produtos brasileiros, uma vez superadas suas atuais dificuldades econômicas. A China vem se consolidando como principal parceiro comercial do Brasil, mas é importante destacar que outros países da Ásia apresentam grande crescimento. O bloco da Asean (formado por Singapura, Indonésia, Tailândia, Vietnã e mais sete países) se tornou um dos principais destinos ao responder por 8% das exportações brasileiras. No Oriente Médio, destacam-se as vendas para os Emirados Árabes, que cresceram 28% no primeiro semestre. No norte da África, temos crescimento para Argélia, Egito, Líbia e Tunísia. As exportações para o México cresceram de maneira significativa nos últimos anos. Em 2023, o país foi o quinto maior destino das exportações brasileiras.
DCN: Alguns produtos exportados passaram a se destacar mais nos últimos anos?
Tatiana: No primeiro semestre, temos vários recordes de exportação para produtos tradicionais da pauta, como petróleo, açúcar, celulose, café, algodão. Além desses itens tradicionais, produtos industriais têm se destacado. A exportação de produtos de perfumaria e toucador bateram recorde no primeiro semestre, com vendas de US$ 395 milhões; máquinas de energia elétrica, com US$ 377 milhões; óleos essenciais, com US$ 331 milhões; cacau em pó e outros produtos de cacau, US$ 188 milhões, entre outros.
DCN: No setor do varejo, o uso de marketplaces internacionais é uma alternativa?
Tatiana: Plataformas de vendas podem ser grandes facilitadoras para empresas de menor porte. No setor do varejo, o uso de marketplaces internacionais pode ser uma excelente alternativa para expandir a presença no mercado global. A Secretaria de Comércio Exterior do MDIC firmou neste ano uma parceria com a Amazon justamente para apoiar as exportações de empresas de menor porte para os EUA, e segue interessada em outras parcerias para expandir a base exportadora do Brasil. Há um edital de chamamento público para este fim. A Apex (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos) também tem projetos nessa linha. Marketplaces internacionais proporcionam acesso imediato a uma base de consumidores global, eliminando a necessidade de criar uma infraestrutura de vendas própria em cada país. Eles também oferecem soluções integradas, simplificando o processo de envio de produtos e recebimento de pagamentos, o que é particularmente útil para empresas de menor porte. Essas plataformas investem fortemente em marketing e atraem milhões de consumidores, aumentando a visibilidade dos produtos das pequenas empresas sem a necessidade de grandes investimentos em publicidade. A burocracia e as barreiras de entrada são reduzidas, já que muitas dessas plataformas auxiliam com questões regulatórias, aduaneiras e de conformidade. A interação direta com consumidores internacionais através de avaliações e feedbacks permite ajustes rápidos nos produtos e estratégias de vendas, alinhando-se melhor às preferências e demandas do mercado externo.