ESPECIAL: 25 DE MARÇO-160 ANOS. Doural celebra 120 anos e chega à 4ª geração da família Abdalla

Uma image de notas de 20 reais
Tradicional, loja está no mesmo lugar desde sua fundação
(Andre Lessa / Agência DC News)
  • Com mix de 130 mil ítens, empresa pretende ampliar presença digital e reabrir unidade no Jardins para dar sequência ao plano de expansão
  • Sob gestão da quarta geração da família Abdalla à frente do negócio, meta é manter tradições, sem perder as oportunidades do mundo moderno
Por Aryel Fernandes | Paula Cristina

[AGÊNCIA DE NOTÍCIAS DC NEWS]
A Doural celebra 120 anos em 2025 e mantém na 25 de Março o título de loja mais longeva ainda instalada no mesmo endereço, o número 595, onde a família Abdalla começou a construir sua história no início do século passado. Com essas credenciais, Assad Abdalla Neto, hoje com 82 anos e representante da terceira geração à frente do negócio, torna-se o personagem perfeito para elucidar a força e o legado da região. A história da família no Brasil começou em 1895, quando o jovem sírio Assad Abdalla Haddad desembarcou em São Paulo e iniciou a vida como mascate, percorrendo o Centro com uma matraca de madeira que anunciava tecidos. “Vovô falava que, quando ele abria a janela e estava chovendo, ficava feliz. Ele sabia que seria um dia bom”, disse o neto. De lá para cá, o mundo se transformou, e a Doural soube envelhecer com elegância. A empresa planeja reabrir uma unidade nos Jardins, ampliar as vendas digitais e preparar o terreno para que a quarta geração da família assuma o negócio com a mesma ambição que levou Assad Abdalla Haddad a desembarcar no Porto de Santos, em 1895.

A relação próxima entre a família Abdalla e a construção da 25 de Março como conhecemos hoje é o ponto de partida das histórias que serão contadas no Especial 25 de Março – 160 anos, que reúne relatos, dados históricos e análises sobre a formação, a identidade e a força econômica da rua mais emblemática do comércio paulistano. Isso porque a história dos Abdalla nasce na vocação central da rua: o serviço de mascate. À época, ele e seu primo Nagib Salem percorriam as ruas de terra do Centro com uma matraca de madeira,  instrumento que produz um som alto, que anunciava as mercadorias. Foi o início de uma trajetória de empreendedorismo que atravessaria as décadas seguintes.

Durante a expansão dos negócios, Assad criou um fundo de reserva para a aquisição e construção de imóveis, em sociedade com o primo Salem. Em 1912, comprou um terreno no Tatuapé, que mais tarde se tornaria o Parque São Jorge, sede do Corinthians. Também investiu na indústria têxtil, inaugurando, em 1936, uma fábrica de fiação e tecelagem no interior paulista. Segundo o livro Família Assad Abdalla & Corgie Haddah – 1903/2003, Assad costumava dizer aos seus pares que “para saber como São Paulo ia ser daqui a 30 anos, era preciso olhar 30 anos atrás”.

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Com sua história como mascate, a transição para comerciante em um ponto fixo era natural, e dez anos depois de chegar ao Brasil fundou a Doural que, no mesmo local, carregava o número 141, da 25 de Março. Endereço que se tornaria um marco da rua. No início do século 20, a região vivia o auge da urbanização, “tinha bonde elétrico, novas vias e a multiplicação das pequenas lojas familiares”, afirmou Assad Abdalla Neto. A Doural cresceu nesse cenário, acompanhando o ritmo frenético da rua e da cidade. Inicialmente especializada em tecidos e armarinhos, a loja expandiu seu portfólio e hoje oferece mais de 30 mil itens de utensílios domésticos. Assad Neto conta que o pai, Nabih Assad Abdalla (1907-1979), nasceu dentro da loja e que, após conquistar estabilidade financeira, o avô investiu na educação dos filhos, enviando-os para estudar na Inglaterra. “Cada filho assumiu uma área diferente do negócio, e meu pai ficou com a loja.”

A fachada da Doural ainda preserva a inscrição AA & NS, homenagem aos fundadores. O piso superior do prédio, que abrigou as famílias Abdalla e Salem, hoje reúne produtos premium e um pequeno memorial com relíquias e provérbios do patriarca. O espaço também celebra o legado do advogado abolicionista Luiz Gama (1830-1882), que viveu no imóvel e ajudou a libertar pelo menos 500 escravos. Em 2021, a loja recebeu uma placa reconhecendo o local como marco na história do jurista.

Doural
Interior da loja da Doural – ano não especificado
(Acervo pessoal)

DIFICULDADES – Assim como a 25 de Março, a Doural enfrentou enchentes, incêndios e transformações no comércio paulistano, mas sem perder o caráter familiar. “Sobrevivemos a uma enchente, incêndio e pandemia”, disse Assad Neto. Após uma das enchentes, produtos avariados entraram em liquidação e, segundo Neto, alguns clientes chegaram a molhar peças intactas para garantir desconto. “Mas eu sabia quais eram as peças”, afirmou, bem-humorado. Essa forma de enfrentar os desafios, inclusive, parece ser uma tradição familiar. Segundo o atual comandante da empresa, a busca sempre foi por soluções em tempos de crise – desistir nunca foi uma opção. Em 1920, por exemplo, Assad alterou o sistema de vendas e abandonou o fiado para passar a vender apenas à vista, garantindo estabilidade financeira durante períodos de turbulência econômica.

No livro Assad Abdalla – Sua obra e sua vida (2002), o patriarca atribui grande parte do sucesso à esposa, Corgie Haddad (1881-1970). Essa presença feminina segue forte na família. Lúcia Abdalla, esposa de Assad Neto, acompanha o marido na loja há mais de 50 anos (e estava ao lado dele durante a entrevista). De acordo com ela, a resiliência e o vigor ao lado do marido fazem parte da construção deles enquanto casal. “Esperei dez anos para casar. Ele [aponta para o marido] quis estabilizar a loja primeiro”, afirmou. Hoje, a quarta geração da família está na linha de frente do negócio. Os irmãos Fernando e André Abdalla dividem a gestão: o primeiro atua como CEO, enquanto o segundo é responsável pelas exportações e vendas por atacado da empresa. Segundo Neto, a formação deles também foi objeto de atenção especial. “Eles também tiveram de estudar para trabalhar na loja.” Questionado se houve alguma pressão para que eles seguissem seus passos, a resposta foi direta. “Foi por vontade própria, nunca obriguei.”

Doural
Família Abdalla em 1930
(Acervo pessoal)

Com a chegada da nova geração também entrou na rota da Doural novos planos. A empresa, que já tem um canal digital ativo para vendas no atacado, agora planeja ampliar a presença online, aumentando o alcance da marca. Há ainda o plano de expandir fisicamente, com a reinauguração de uma unidade nos Jardins, aberta em 2011 e fechada antes da pandemia. Segundo André, o plano ainda é o mesmo que guia a gestão de seus ancestrais. “Não queremos ser gigantes, mas queremos que o cliente encontre tudo o que procura para casa.” As cortinas continuam sendo o carro-chefe. A história da família Abdalla é inseparável do número 595 da 25 de Março – e, às vezes, o destino parece reforçar esse elo. André conta que marcou o primeiro encontro com a futura esposa em frente à loja, sem saber que o bisavô dela havia ajudado a fundá-la. “Ela ficou assustada com a coincidência; eu achei que era o destino”, disse. Um século depois, a Doural continua onde tudo começou, equilibrando tradição, memória e renovação.

Doural
R. 25 de Março, 595, Centro Histórico
Segunda a sexta das 8:00 às 17:00 e sábado das 8:00 às 12:00
(11) 3328-6228
doural.com.br
Instagram: @lojasdoural

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