Chile prepara estratégia para tornar o pisco do país mais popular no Brasil. Coquetelaria entra no radar

Uma image de notas de 20 reais
Piscos da Fundo Los Nichos, a mais antiga pisqueria chilena
Crédito: Divulgação/Fundo Los Nichos
  • São produzidos 36 milhões de litros anualmente. Para efeito de comparação, a indústria do vinho produz 903 milhões – 25 vezes mais
  • Bebida tem Denominação de Origem (D.O.) desde 1931 e deve ser produzida apenas em duas regiões chilenas: Atacama e Coquimbo
Por Edson Rossi

Em termos de commercial diplomacy, o Chile dá aulas ao Brasil. Basta comparar a participação das exportações chilenas em relação ao PIB (31%, em 2023) com as brasileiras (18%), segundo o Banco Mundial. À frente dessa missão de desbravar e cativar mercados está a ProChile, braço do Ministério das Relações Exteriores encarregado de promover bens e serviços do país pelo mundo. E a mais nova investida será com o pisco, o destilado de uva.

Hoje, a indústria chilena de pisco emprega 3,5 mil pessoas de forma permanente e gera outros 40 mil empregos indiretos. São produzidos 36 milhões de litros por ano. Para efeito de comparação, a indústria do vinho produz 903 milhões – 25 vezes mais. As exportações somaram de janeiro a agosto deste ano US$ 3,2 milhões (e ínfimos US$ 62 mil para o Brasil). As exportações totais de vinho no mesmo período chegaram a US$ 999 milhões (cerca de US$ 127 milhões para o Brasil, o maior destino ao lado do Reino Unido).

Já está clara que a estratégia não será voltada para o volume – até porque “90% da produção fica no mercado interno”, afirmou Ignacio Fernández, diretor-geral da ProChile. A tarefa é focar na qualidade e não na quantidade e fazer o produto cair no gosto dos brasileiros. E tornar o pisco objeto de desejo na coquetelaria. Para Francisco Munizaga, presidente da Associación de Productores de Pisco (PiscoChile), a abordagem ao mercado brasileiro deve ser feita por esse caminho. “Mostrar que o pisco tem uma rica amplitude aromática e de sabores”, disse Munizaga, que comanda a mais antiga produtora do país, a Fundo Los Nichos, fundada em 1868 e de onde saem apenas quatro rótulos. “No Brasil, será um posicionamento mais refinado.”  

Foi com esse drive que a ProChile organizou uma masterclass da bebida em São Paulo, na terça-feira (1), comandada por Víctor Venegas Salinas, bartender chileno radicado no Brasil. Ele subiu ao palco com um disclaimer: “Não haverá nem pisco sour nem piscola”, afirmou, referindo-se ao drinque mais comum associado à bebida (o sour) e ao jeito mais comum de consumir a bebida no próprio Chile (com Coca-Cola). Venegas trabalhou três versões de drinques – um à base de semente, um floral e um frutado – feitos com blend de piscos para mostrar a versatilidade da bebida e sua ampla complexidade na criação de drinques únicos.

Tradição não faltará. O pisco recebeu o selo de Denominação de Origem (D.O.) no ano de 1931, sendo a mais antiga das Américas, segundo a PiscoChile. Assim, para ser chamado pisco precisa ser produzido em cinco vales (Copiapó, Elqui, Huasco, Limarí e posteriormente Choapa) localizados em duas regiões chilenas (Coquimbo e Atacama). O processo de produção tem essencialmente quatro etapas – cultivo e colheita das uvas (as cinco principais são Moscatel de Alejandria, Moscatel de Áustria, Moscatel Rosada, Pedro Jimenez e Torontel), seguido por vinificação, destilação e engarrafamento. O teor alcoólico varia de 35º a 45º e vai gerar três tipos: o pisco branco ou transparente (destilado de uma a três vezes com no máximo seis meses de repouso em barricas ou tanques de inox), o pisco chamado de guarda (que fica de seis a 12 meses em barricas) ou o envelhecido (mais de um ano em barricas).

Um fato inescapável ao se tratar de pisco é uma intensa e eterna disputa sobre sua paternidade. Para os peruanos, deles. Para os chilenos, deles. Numa disputa que dificilmente terá fim. O que existe de concreto é a diferença entre um e outro. Ao contrário do produto chileno, o pisco produzido no Peru não pode ser armazenado em barricas de madeira, só pode ser destilado uma vez e não se pode diluir com água.

À parte essa questão – tratada en passant, com elegância e bom humor na masterclass –, a agenda pisco ajudou a mostrar como deve ser a commercial diplomacy. Como diz Paola Vásquez, diretora da regional Coquimbo da ProChile, é fundamental essa atividade promocional. “Para aproximar o destilado do consumidor brasileiro”, afirmou. “E divulgar sua grande versatilidade e produção artesanal.” Além, é claro, de fazer da tradição uma geradora de oportunidades de negócios. Um ganha-ganha à base de pisco.

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