Copom critica política pró crédito do governo: BC deixa claro na ata que isso está atrapalhando
Galípolo, do BC: Copom eleva Selic a 14,75% e mercado tem incerteza sobre fim do ciclo de altas
(Pedro Ladeira/Folhapress)
Sidney Lima, da Ouro Preto Investimentos: “Esse estímulo fiscal reduz eficácia dos juros altos e força BC a manter Selic elevada por mais tempo”
Volnei Eyng, da Multiplike: "Há necessidade de maior responsabilidade fiscal do governo para que a meta da inflação entre em convergência”
Por Vitor Nuzzi
[AGÊNCIA DC NEWS]. Além de apontar uma política monetária “significativamente contracionista por período prolongado”, o Comitê de Política Monetária (Copom) mirou na ata de sua 270ª reunião nas medidas do governo federal de estímulo ao crédito. Medidas que, segundo o Banco Central (BC), minam o esforço para reduzir a atividade – e, consequentemente, a inflação. O texto diz que o Copom reforça a visão de que “o esmorecimento no esforço de reformas estruturais e disciplina fiscal” mais “o aumento de crédito direcionado e as incertezas sobre a estabilização da dívida pública” têm o potencial de elevar a taxa de juros neutra da economia. Na semana passada, o colegiado aumentou a Selic em 0,50 ponto porcentual, para 14,75% ao ano, no maior nível desde junho-julho de 2006 (15,25%).
Sidney Lima, analista CNPI da Ouro Preto Investimentos, diz que os estímulos que o governo continua dando ao mercado de crédito atrapalha. “E a ata do BC deixa isso claro.” Para Lima, ao ampliar programas que aumentam a renda disponível e o crédito direcionado, o governo impulsiona o consumo num momento em que o BC tenta justamente aliviar a demanda para controlar a inflação. “O impacto é direto: esse estímulo fiscal reduz a eficácia dos juros altos e força o BC a manter a Selic elevada por mais tempo.” Na prática, ele afirma que o processo de desinflação se torna mais lento – e mais caro. “Com risco maior de travar a economia.” Nesse desencontro entre as políticas fiscal e monetária, acrescentou, quem paga a conta é o crescimento.
O professor Maurício Godoi, da Saint Paul Escola de Negócios, concorda. Ele afirma que o governo de fato continua incentivando o mercado de crédito, tanto direcionado como consignado. A política oficial alimenta uma conjuntura macroeconômica que dificulta a desinflação, aliada a uma gestão fiscal que ele define como indisciplinada. Segundo Godoi, há também fatores que são superimportantes para que ocorra a desaceleração da economia. “Na semana passada, tivemos a publicação [pelo IBGE] da maior renda do trabalhador”, disse. “Isso promove uma expectativa de consumo positiva, o que traz sérios problemas para a atuação da política monetária.”
O IBGE informou que o rendimento mensal real per capita atingiu o maior valor da série histórica em 2024: R$ 2.020, alta de 4,7% em relação ao ano anterior e de 19,1% sobre 2012, ano inicial da série. O rendimento de todas as fontes aumentou 2,9%, para R$ 3.057, valor também recorde, assim como aquele recebido por meio de programas do governo. Injeção de dinheiro na economia com descontrole fiscal só leva a pressão sobre os preços, o que acaba recaindo no colo das famílias. Tanto que o Copom cita na ata “alguma inflexão” em linhas de crédito no caso de pessoas físicas. “Um aumento do comprometimento da renda familiar com as dívidas pode estar antecipando menor demanda por crédito.” Em resumo, é a população que já começa a pagar a conta dessa desordem.
MODERAÇÃO – O Copom assinala que a conjuntura ainda mostra sinais mistos sobre a desaceleração da atividade, mas identifica uma incipiente moderação do crescimento. Esse movimento é necessário para fazer com que a inflação volte para a meta, algo que agora parece distante. Em abril, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) foi de 0,43% (0,38% em igual mês do ano passado), somando 5,53% em 12 meses. “O Comitê reforça que o arrefecimento da demanda agregada é elemento essencial do processo de reequilíbrio entre oferta e demanda da economia e convergência da inflação à meta”, afirmou o colegiado.
Na prática, o BC parece ter mapeado os efeitos colaterais dessa oferta de crédito. Segundo o CEO da gestora Multiplike, Volnei Eyng, o Copom já incorpora o impacto do consignado privado em suas previsões. Eyng destaca que ao citar a política fiscal, o comitê tenta reforçar o compromisso de levar a inflação à meta. “É certo que há essa necessidade de maior responsabilidade fiscal do governo para que, o quanto antes, a meta da inflação entre em convergência”, afirmou. “O que sempre pega são possíveis ações populistas, onde se tende a gastar mais com benefícios à população.”
A dúvida entre os analistas é sobre as próximas decisões do Copom, que voltará a se reunir em 17 e 18 de junho. No Focus, boletim do BC com previsões do mercado, a aposta é de manutenção em 14,75%. Para o IPCA, a projeção é de 5,51%. A XP aposta em aumento de 0,25 ponto, para 15%, e permanência “por um longo período” nesse patamar. A empresa diz que o Copom evitou oferecer uma sinalização clara para a próxima reunião. “Em vez disso, ressaltou a necessidade de cautela adicional e flexibilidade para incorporar os dados que impactem a dinâmica de inflação”, disse a XP em relatório. Para os analistas, as pressões inflacionárias domésticas, que incluem “as recentes medidas fiscais de estímulo ao crescimento”, convencerão o comitê a aprovar uma espécie de “aumento final” no ciclo de altas dos juros.