RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – A criação de uma fundação pública de direito privado, a IBGE+, é considerada ponto central da crise no IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Servidores dizem que a gestão do economista Marcio Pochmann, presidente do órgão de estatística, não ouviu o quadro técnico para elaboração do projeto, chamado por alguns de “IBGE paralelo”.
Ainda há dúvidas sobre as tarefas que podem ser desenvolvidas pela nova fundação. O estatuto da IBGE+ prevê, por exemplo, a possibilidade de parcerias, acordos, contratos e convênios com órgãos públicos ou privados, nacionais ou estrangeiros.
Também cita, entre outros objetivos, dar apoio e incentivo à pesquisa estatística e geográfica, ao ensino e à disseminação de informações.
“O risco que preocupa mais, no longo prazo, é em relação à privatização. Você cria uma fundação que pode arrecadar junto ao setor privado, pode vender pesquisa para o setor privado. Isso preocupa bastante”, afirma Bruno Perez, diretor da Assibge, associação sindical que representa os servidores.
“Ainda que supostamente essa não seja a intenção do atual presidente, se criou um instrumento que pode ser utilizado em gestões futuras”, completa.
A Assibge também indicou que a medida abre espaço para contratações no modelo da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). O estatuto da IBGE+ prevê formação de conselho curador, conselho fiscal e diretoria executiva.
“Ela reestrutura, de certa forma, a estrutura de poder do IBGE, porque cria novos cargos de livre nomeação”, diz Perez.
O sindicato marcou para quinta (26), no Rio de Janeiro, um protesto contra o que chamou de “medidas autoritárias” de Pochmann.
A criação da IBGE+ faz parte dessa lista, que também inclui mudanças no regime de trabalho do instituto e transferência de funcionários para um prédio do Serpro (Serviço Federal de Processamento de Dados) no Horto, zona sul do Rio. O endereço é considerado de difícil acesso via transporte público.
De acordo com fontes que acompanham o instituto, o momento é de elevada tensão entre o corpo técnico e a gestão da casa.
“O que realmente assustou os ibgeanos foi a criação dessa Fundação IBGE+, sem nenhuma avaliação do que ela significa, dos riscos que ela significa ou mesmo do potencial que ela significa. Assim, do nada, agora já existe essa fundação”, afirma Wasmália Bivar, que foi presidente do IBGE de 2011 a 2016.
POCHMANN REBATE CRÍTICAS
A gestão Pochmann rompeu silêncio nesta segunda (23) por meio de nota publicada na agência de notícias do órgão. O texto, assinado pelo economista, defende medidas como a IBGE+.
A manifestação fala em uma “sustentação” do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação com o reconhecimento do IBGE como instituição de ciência e tecnologia. Também afirma que o Ministério do Planejamento e Orçamento aprovou a constituição legal da nova fundação.
“Recentemente foi apresentado para o Conselho Diretor do IBGE o Estatuto da Fundação IBGE+, bem como a estrutura do seu Conselho Fiscal e Conselho Curador, esse último com previsão de processo de votação interna para um(a) representante dos servidores da instituição”, diz a presidência do IBGE.
O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação afirmou em nota que o reconhecimento de uma instituição de ciência, tecnologia e inovação ocorre de acordo com os critérios estabelecidos pela Lei de Inovação.
“Uma vez que ela atenda a esses requisitos, ela é considerada uma ICT, sem necessidade de cadastro formal junto ao MCTI ou qualquer outro órgão”, declarou a pasta. “Isto posto, informamos que não há nenhum procedimento de credenciamento neste ministério para fins de enquadramento como ICT relativo ao disposto na Lei de Inovação”, completou.
A reportagem também procurou a pasta do Planejamento e Orçamento, mas não recebeu retorno.
O texto de Pochmann diz que a gestão do IBGE focou na necessidade de rever despesas de infraestrutura em 2024, especialmente aluguéis, devido aos limites orçamentários. Ainda cita “frequentes reuniões democráticas” com o sindicato de servidores desde o ano passado.
A Assibge, entretanto, afirma que precisou recorrer a cartório para pedir uma cópia do estatuto da IBGE+. Segundo a entidade, a fundação foi lançada em 12 de julho, mas teve sua criação noticiada na intranet apenas em 9 de setembro “de maneira panfletária e superficial”, sem a divulgação, por exemplo, do estatuto.
Uma fonte com passagem pelo instituto relata preocupação com a suposta falta de debate sobre a nova estrutura.
Também diz que a IBGE+, por se tratar de uma fundação de direito privado, pode ficar suscetível a regulações menos rígidas na comparação com o setor público. Ainda lembra que o IBGE já conta com um braço destinado ao ensino, a Ence (Escola Nacional de Ciências Estatísticas).
As críticas do sindicato se somam a recentes cartas de técnicos de pelo menos duas diretorias do IBGE (Pesquisas e Geociências). Nos textos, os pesquisadores se queixam de ausência nos processos decisórios do instituto.
Uma outra manifestação que chegava a pedir o fim do mandato de Pochmann também circulou na semana passada. A Assibge afirma desconhecer a autoria do texto, que tinha a assinatura genérica “servidores do IBGE”.
Pochmann chegou ao órgão em agosto de 2023, após indicação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A escolha dividiu opiniões.
Esta não é a primeira vez que o economista protagoniza polêmica. No ano passado, ele elogiou a elaboração de estatísticas no Oriente, citando a China, o que despertou críticas de analistas que veem falta de transparência do país asiático nessa área.
Agenda semanal divulgada nesta segunda pelo IBGE diz que, na quarta (25), uma equipe da presidência viaja para participar de encontro no NBS, o escritório chinês de estatísticas.
“Nós não temos nenhuma instituição de preferência. A China tem coisas interessantes, vamos acompanhando, como tem também nos Estados Unidos, no México, em Portugal, na Colômbia”, afirmou Pochmann em entrevista à Folha de S.Paulo em abril.