E-commerce enfrenta normalização de resultados, mas continua a crescer, apontam especialistas
Setor de alimentos e bebidas representaram a maior intenção de compra no e-commerce brasileiro (59% no primeiro trimestre de 2024)
Tecnologia foi essencial para a sobrevivência e o crescimento do varejo durante a pandemia, dizem especialistas
Por Naira Zitei e Victor Marques
A pandemia da Covid-19 derrubou muitos negócios físicos, mas também impulsionou, e muito, o e-commerce brasileiro. Especificamente, o setor cresceu 29.8% em 2021, o segundo ano da crise sanitária, atingindo um faturamento de R$ 258,5 bilhões. Atualmente, o comércio digital brasileiro passa por reduções tímidas – em 2022 caiu 2,2%, para R$ 252,7 bilhões, e no ano passado voltou a crescer, 0,7%, para R$ 254,4 bilhões.
Os dados são do relatório da consultoria Nielsen, que analisa anualmente o e-commerce brasileiro. Segundo o levantamento, mesmo com os altos índices de crescimento durante a pandemia, os patamares de venda se mantiveram nos anos seguintes e as reduções tímidas comprovam muito mais uma normalização de resultados do que uma queda no desempenho das empresas.
Quem impulsionou os bons números do ano passado foi o setor de alimentos e bebidas, que representaram a maior intenção de compra (59% no primeiro trimestre de 2024), entre os 108,4 milhões de compradores ativos no Brasil em 2023, número 0,5% menor que no ano anterior. Cosméticos & perfumaria, moda & acessórios, saúde e casa & decoração ficam entre as maiores após os alimentos e bebidas, em ordem, respectivamente.
Parte dos méritos pelos bons números vem do aumento da adoção de novas tecnologias como aplicativos. Os setores farmacêuticos e de supermercados aumentaram a porcentagem de uso no ano passado. O primeiro cresceu 7%, chegando a 46%, e o segundo 5%, atingindo a marca de 32%.
“O e-commerce brasileiro está alinhado em tecnologia com os maiores do mundo. Não estamos para trás”, afirmou Otavio Argenton, gerente da SoftwareOne no Brasil. Porém, no Brasil, enfrentamos outros problemas como os de logística e empecilhos tecnológicos nas lojas físicas que atrapalham o varejo de atingir um omnichannel com mais resultados, como os altos preços dos chips RFID, que servem para monitorar objetos quando estão em estoque ou sendo transportados.
Para Ana Paula Trudo, diretora comercial responsável por Offerings de Retail da Everymind, a tecnologia foi ponto essencial para a sobrevivência e crescimento do varejo durante a pandemia. Novos modelos de negócios, como iFood e Rappi, ajudaram farmácias e lojas de conveniência a manterem o funcionamento durante esse período. “Muitos negócios cresceram abruptamente devido ao digital e o comércio eletrônico ainda tem um grande potencial a ser explorado”, disse a executiva.
Ana Paula Trudo: “Tecnologia foi essencial para sobrevivência na pandemia” Crédito: Jonathan Zotareli
CASES– Quem fez os investimentos certos em tecnologia e nas necessidades de negócio, foi quem saiu na frente. No caso do Brasil, esses são Mercado Livre e Amazon, um vizinho argentino e outro o segundo maior do mundo no segmento.
O Mercado Livre, que completa 25 anos em 2024, é uma empresa nativa digital, ou seja, nunca foi necessária uma adaptação do negócio para o mundo digital. O site argentino é líder em e-commerce e serviços financeiros na América Latina, com faturamento de US$ 14,5 bilhões em 2023, resultado 37,4% maior que no ano anterior.
Segundo Julia Rueff, VP de Marketplace do Mercado Livre, os trunfos para o sucesso são um conjunto de decisões tomadas ao longo do negócio que envolve visão de longo prazo, foco na experiência do usuário, cultura de inovação, amplo sortimento, usabilidade simples e intuitiva, logística super rápida e eficiente e um pós-venda fluido e fácil.
Julia Rueff, do Mercado Livre, destaca foco na experiência do usuário Crédito: Divulgação
Para o especialista Antônio de Sá, especialista em varejo, sócio-fundador da Amicci, professor da FGV com passagens pelo Walmart e Grupo PDA, as vitórias do Mercado Livre estão nos investimentos em logística e financeiro. “Os múltiplos centros de distribuição em pontos estratégicos ajudam a diluir o valor das viagens, reduzindo os custos logísticos e contribuindo com as entregas mais rápidas”, afirmou. No total, são 5 mil pontos da Kangu, empresa de frete subsidiada do Mercado Livre.
Outra vantagem competitiva é o Mercado Pago, que agrega serviços financeiros voltados a vendedores e compradores a oferta dos produtos. “A oferta de serviços financeiros aumenta a fidelidade e a recorrência de compra. O fato de estar integrado à plataforma do Mercado Livre traz benefícios para os consumidores e impulsiona o negócio”, afirmou Rueff.
Do outro lado, o grande competidor é americano e o segundo maior e-commerce do mundo, ficando atrás apenas do competidor chinễs, o Alibaba. A Amazon faturou US$ 574 bilhões em 2023 e também focou seus esforços na entrega rápida, que é feita em um dia em mais de 200 cidades de 12 estados do Brasil; em dois dias, em mais de 700 municípios; para as demais regiões, oferece frete expresso, que começa em apenas três dias.
Em pesquisa feita com a consultoria Nielsen, a companhia revelou que 45% dos brasileiros são assinantes de um serviço prime ou premium, como o oferecido por eles que possui como benefício a entrega gratuita. O relatório revelou ainda que a assinatura aumenta a lealdade e o nível de satisfação geral dos clientes, com os setores de streaming e de varejo atraindo o público brasileiro.
EVOLUÇÃO– O mercado do e-commerce é muito robusto e sustenta muitos negócios. Além disso, enfrenta atualmente diversos desafios, mas que são muito diferentes de quando o e-commerce nasceu. Na época, a extinta Submarino ainda se chamava Booknet. Inaugurada no final de 1995, pelo escritor e economista carioca Jack London, a livraria virtual foi pioneira no Brasil. A Booknet prometia entregar o pedido em até 72 horas, dependendo do local, e aceitava como opção o pagamento na contra-entrega.
De lá para cá, aconteceram várias evoluções tecnológicas significativas que transformaram a forma como compramos e vendemos produtos e serviços online. As principais mudanças, segundo Vivianne Vilela, diretora de conteúdo do E-Commerce Brasil, foram as melhorias na conectividade e maior amplitude com o 4G; soluções tecnológicas nacionais que atendem lojas online; diversidade nos meios de pagamentos; sistemas que garantem a segurança do comprador; operações logísticas ágeis; social commerce que dá oportunidade para grandes e pequenos negócios de criarem estratégias de propaganda e venda.
Apesar das transformações do e-commerce para se tornar um serviço eficiente, as lojas físicas ainda possuem força e estão se reinventando cada vez mais. Com isso, “há um movimento significativo em direção a tornar a experiência online cada vez mais parecida com a experiência presencial”, afirmou.
Para que isso seja possível, algumas tecnologias são utilizadas como live commerce que permite que os clientes vejam demonstrações de produtos em tempo real, semelhante a um vendedor em uma loja; assistentes virtuais que resolvem problemas e fazem recomendações personalizadas; e a integração omnichannel em que o cliente consegue interagir com todos os canais da marca.
Além do varejo aproximar o digital do presencial, várias tendências tecnológicas estão moldando a forma como as empresas operam e como os consumidores interagem com os produtos e serviços. Vivianne Vilela destaca a inteligência artificial para análise de comportamento e personalização do atendimento; inteligência das coisas usada para monitorar estoques e em dispositivos como a Alexa que pode executar compras; robôs que gerenciam estoque e preparam pedidos; e big data que antecipam demandas e tendências.