Energia limpa pode ser maior plano de paz que mundo já viu, diz secretária dos EUA

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Crédito: Bruno Peres/Agência Brasil

FOZ DO IGUAÇU, PR (FOLHAPRESS) – Os conflitos armados em curso no mundo têm uma ligação intrínseca com a dependência de energia e, por isso, incentivar que cada país invista em novas fontes de geração pode ser o maior plano de paz que o mundo já conheceu.

Quem afirma é a secretária do Departamento de Energia dos Estados Unidos, Jennifer Granholm, em uma declaração que reflete a importância dada à transição energética pelo governo da maior potência militar do planeta.

Há quase três anos como principal assessora do presidente Joe Biden na área da energia, Granholm lidera o trabalho de neutralizar as emissões de gases de efeito estufa dos EUA até 2050 e está à frente das negociações internacionais pela descarbonização.

O desafio de atingir as metas antiaquecimento é grande em seu país –responsável por 12% das emissões do planeta-, mas ainda maior é o de fazer o objetivo ser alcançado por um mundo fragmentado, a exemplo da escalada de conflitos no Oriente Médio.

“A energia está entrelaçada nos conflitos geopolíticos e guerras por todo o mundo. Manter o sistema de energia refém e interferir na infraestrutura energética pode levar uma população ao colapso”, disse à Folha durante as reuniões do G20. “Mas ninguém pode manter o Sol refém, ninguém pode manter o vento refém”.

Ela aplica os comentários tanto à atual escalada dos conflitos no Oriente Médio -mesmo que ela veja as razões mais imediatas ligadas ao Hezbollah e ao Hamas-, como à guerra na Ucrânia. Nesse ponto, ela sobe o tom contra a Rússia.

“O povo russo poderia se beneficiar da economia associada à energia limpa, mas sua liderança escolhe não seguir nessa direção. Em vez disso, escolhe destruir a energia e a infraestrutura energética na Ucrânia. É tão errado. É imoral o que está acontecendo com relação à Rússia”, afirma.

“Estas reuniões multilaterais [como no G20] são importantes para todos sentirem que compartilhamos um inimigo comum, que é a mudança climática. Está impactando a Rússia, a China, os Estados Unidos”, diz. “Quando há um inimigo comum assim, devemos nos unir para encontrar armas e combater esse inimigo em vez de atirar uns nos outros”.

Granholm vê riscos até dentro dos EUA, já que Donald Trump -ex-presidente e candidato às eleições do mês que vem- ameaça anular medidas em torno da transição energética tomadas pela gestão Biden e sua vice-presidente Kamala Harris (candidata democrata à presidência).

“Seria uma negligência política para o próximo presidente chegar e desfazer todas as conquistas incríveis da administração Biden-Harris em termos dessa economia de energia limpa. E digo isso porque grande parte do investimento foi para comunidades em distritos republicanos”, diz.

“86% dos investimentos foram para comunidades com salários semanais abaixo da média e sem diplomas universitários, muitas comunidades rurais e mais pobres. Tirar a oportunidade deles de participar dessa economia de energia limpa seria muito tolo. Então minha esperança é que a próxima presidente, quem quer que ela seja, saiba da importância disso”, afirma sorrindo, usando o pronome no feminino (“she”).

Ao menos com o Brasil a conversa parece estar progredindo. Nos dois lados das conversas, os relatos são de que as negociações entre os representantes de Biden e do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no G20 foram importantes para aprofundar a cooperação em torno de biocombustíveis -especialmente o hidrogênio e o SAF (combustível sustentável de aviação, na sigla em inglês).

Esses produtos poderiam gerar uma disputa de mercado entre os dois países, algo que Granholm reconhece. No caso do hidrogênio, por exemplo, o governo Lula tem consolidada a posição de que o Brasil não deve ser apenas um exportador, e sim um usuário do combustível verde para abastecer fábricas em território nacional -fazendo com que o país atraia indústrias internacionais.

“Tudo isso pode ser verdade. É cooperação e competição ao mesmo tempo”, diz Granholm. Mesmo assim, ela afirma que o Brasil está na frente e que a demanda por US$ 23 trilhões em energia limpa até 2030 irá contemplar todos os interessados.

“Não estamos produzindo nem um centésimo do SAF necessário. E não é apenas para aviação, mas também para navegação, para indústrias pesadas [e outras destinações]. Achamos que há demanda suficiente por tecnologias limpas para todos e queremos que nossos aliados estejam conosco na produção dessas soluções limpas”, afirma.

“O Brasil tem uma vantagem porque grande parte da sua rede é alimentada por energia verde e nós temos vantagens em outros pontos. Então juntos podemos realmente ser uma potência para o uso de hidrogênio limpo”, diz.

Os EUA estão desenvolvendo grandes centros (hubs) de uso de hidrogênio e o Brasil acompanha a experiência, inclusive do ponto de vista regulatório, para, possivelmente, replicá-la em território nacional. “Estamos aprendendo uns com os outros porque o mundo precisa de hidrogênio limpo para descarbonizar a indústria pesada. E queremos garantir que estamos produzindo, usando e potencialmente exportando”, afirma.

No caso do etanol, outro ponto sensível nas negociações internacionais é a resistência das grandes economias ao que chamam de mudanças no uso da terra. A tese é que a expansão do plantio da cana para produzir combustível tira espaço do cultivo de alimentos e gera mais desmatamento. Durante as reuniões do G20 em Foz, dois relatórios da Agência Internacional de Energia propõem a criação de um selo para pacificar essa discussão e abrir caminho para o uso do etanol de primeira geração.

A secretária de Biden diz que as negociações sobre o tema ainda estão em andamento e que ainda não há uma solução. “Enquanto não chegamos ao final da conversa, consigo ver o final dela. Acho que todos concordamos que biocombustíveis, produzidos de forma sustentável, são absolutamente uma peça fundamental de como os países chegam à emissão líquida zero até 2050”, afirma.

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