Estudo do BC sobre bets deixa lacunas, e Fazenda quer detalhes da metodologia

Uma image de notas de 20 reais

Crédito: Bruno Peres/Agência Brasil

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A análise técnica divulgada pelo Banco Central sobre o mercado de bets no país deixou lacunas em relação aos critérios adotados no levantamento e gerou questionamentos por parte de executivos do setor e de membros do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Integrantes do Ministério da Fazenda aguardam mais detalhes sobre a metodologia adotada nesse estudo, que, entre as conclusões, indica que beneficiários do Bolsa Família gastaram R$ 3 bilhões em bets via Pix em agosto. Empresários do ramo contestam a magnitude dos dados apresentados pela autoridade monetária

Técnicos da equipe econômica e do BC devem se reunir nos próximos dias para discutir a nota divulgada na terça-feira (24) com o objetivo de dimensionar a movimentação financeira, que poderia chegar a R$ 216 bilhões neste ano.

Responsável pela regulamentação do setor, a Secretaria de Prêmios e Apostas da Fazenda quer entender os pilares do estudo para identificar o nível de confiabilidade das informações. A avaliação interna, segundo fontes ouvidas pela reportagem, é a de que parte do cenário pode estar superestimado. A equipe econômica trabalhava com projeções que indicavam movimentação anual de cerca de R$ 150 bilhões.

Procurada, a Fazenda disse que não vai se manifestar, mas que considera as análises divulgadas sobre o setor. O BC, por sua vez, afirmou que todas as informações disponíveis constam na nota técnica.

O pedido de análise ao BC sobre o mercado das bets foi uma iniciativa do senador Omar Aziz (PSD-AM). A solicitação não foi feita formalmente ao BC por ofício, mas por uma ligação telefônica diretamente para o presidente da autarquia, Roberto Campos Neto.

O estudo envolveu funcionários de diferentes departamentos, segundo relatos. O documento enviado ao senador tem apenas cinco páginas, sem detalhes sobre a metodologia, por exemplo.

As projeções do BC levam em conta apenas 56 empresas de apostas online —como as companhias têm mais de um site, não é possível saber a quantidade de sites considerados. O Ministério da Fazenda recebeu pedido de registro legal de 139 empresas.

De acordo com o documento do BC, essas 56 empresas somaram R$ 20,8 bilhões de transferências recebidas em agosto. Ao longo do ano, os valores mensais de transferência bruta para bets variaram entre R$ 18 bilhões e R$ 21 bilhões.

As cifras consideram apenas os recursos pagos pelos via Pix, meio de pagamento que representa a maior fatia de apostas. Uma das informações pedidas pela reportagem, e não recebidas, refere-se a outros meios de pagamento.

Questionado sobre a metodologia durante evento em São Paulo, Campos Neto disse que houve cruzamento de bancos de dados, sem maiores detalhes.

“A gente pode fazer isso com mais profundidade ou menos. Não cabe ao Banco Central fazer política sobre bets. O importante são os dados que a gente pode ter para tentar antecipar um possível movimento de inadimplência ou alguma coisa que comprometa renda. Esse é o nosso objetivo”, disse.

O levantamento pode afetar a regulação do setor, iniciada no ano passado e liderada pela Fazenda. Representantes do comércio varejista e dos bancos aproveitam a repercussão para reforçar a oposição às bets.

Em entrevista à Folha, o presidente da Febraban (Federação Brasileira de Bancos), Isaac Sidney, defendeu o veto ao uso do Pix em apostas esportivas.

O presidente do Instituto Jogo Legal, Magno José Sousa, afirma que a nota do BC não expõe os valores pagos como prêmios. O estudo diz somente que “aproximadamente 15% do que é apostado seja retido pelas empresas”, com o restante sendo repassado aos vencedores.

“O estudo só considera a movimentação, não considera o que é cash-in, o que é cash-out, ou seja, o que o apostador depositou e o que voltou para ele”, disse.

Diferentemente das loterias, que premiam uma ou poucas pessoas, os recursos nas apostas esportivas são distribuídos para um número mais expressivo de pessoas.

Para Magno, a nota não leva em conta particularidades das bets. Como exemplo, ele cita o dinheiro que fica à disposição do apostador na plataforma e que não foi sacado. A ausência dessa cifra pode refletir um valor superestimado do montante retido nas empresas e, na visão dele, colocar dúvidas sobre as conclusões do estudo.

“Só a partir de janeiro de 2025, quando a gente tiver o mercado regulamentado e com as plataformas conectadas a um sistema federal, é que haverá essa informação precisa”, diz Magno. Os dados do setor indicam, ainda segundo Magno, que as plataformas movimentam cerca de R$ 150 bilhões por ano, com 90% do valor pago em prêmios e 10% retido nas empresas.

Empresários do setor ouvidos pela reportagem, sob reserva, dizem que o lucro dos sites varia de 4% a 5%, considerando gastos com manutenção da plataforma, pessoal e marketing.

Leonardo Baptista, CEO da Pay4Fun, também sugere que o relatório do BC tem problemas metodológicos. Ele representa uma instituição de pagamento que atende cerca de 250 casas de apostas.

“Pelas regras atuais, o Banco Central não está vendo todo o movimento de entrada e saída, ou seja, de premiação que voltou para os apostadores”, disse.

À reportagem, o senador Omar Aziz afirmou que também fez um pedido à Febraban sobre cartão de crédito. “Isso não é jogo, é doação que [os apostadores] estão fazendo para eles”, disse.

A jornalistas, Campos Neto disse que o pagamento de apostas online com cartões de crédito representa de 10% a 15% do total de transações feitas pelos brasileiros nas bets. O setor de apostas, por sua vez, estima essa participação em 3% —a Associação Nacional de Jogos e Loterias decidiu antecipar o bloqueio dessa forma de pagamento para 1º de outubro.

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