'Minha filha ainda está viva', diz mãe de jovem sequestrada pelo Hamas

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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Romi Gonen, 23, chegou ao Supernova, um festival de música eletrônica no deserto no sul de Israel, por volta das 5h de 7 de outubro de 2023. Às 6h35, telefonou para a mãe, Meirav Leshem Gonen, e disse que o local estava sendo alvo de foguetes —ao final, 364 pessoas que estavam no evento foram mortas por integrantes do Hamas, no pior ataque já sofrido pelo Estado judeu dentro de seu território.

Romi passou as quatro horas e meia seguintes àquela ligação tentando escapar, sempre em contato com a família por telefone ou WhatsApp. Às 9h55, para alívio de sua mãe, ela embarcou no carro de um conhecido. Estava saindo da região da ofensiva quando, às 10h14, o veículo foi cercado por terroristas.

Naquele horário, Romi ligou novamente para Meirav. Disse que tinha sido baleada, que achava que ia morrer. Meirav tentava acalmar a filha quando os terroristas abriram a porta do carro em que ela estava, agarraram-na pelos cabelos e tiraram-na do veículo, arrastando-a pela rodovia. A ligação foi encerrada.

A jovem foi uma das 251 pessoas sequestradas pelo Hamas e levadas para a Faixa de Gaza naquele dia. Autoridades israelenses afirmam que 105 ainda estão no território palestino, mas só 71 delas com vida, sendo Romi uma delas —a contagem foi atualizada nesta terça-feira (20), quando o Exército resgatou os corpos de seis reféns, incluindo o de um que eles acreditavam estar vivo.

O número total de mortos durante o ataque é estimado em 1.200. A retaliação de Tel Aviv, por sua vez, já deixou mais de 40 mil mortos em Gaza, de acordo com autoridades locais, ligadas aos terroristas.

Os passos de Romi em 7 de outubro foram descritos por Meirav com a precisão de quem parece ter revivido mentalmente aquelas cenas muitas vezes antes.

A consultora de negócios de 54 anos é hoje uma das principais porta-vozes do Fórum das Famílias de Reféns, organização que representa os parentes dos indivíduos sequestrados pelo Hamas.

Sua entrevista à Folha ocorreu na semana passada, dias antes da chegada do secretário de Estado americano, Antony Blinken, a Tel Aviv. À imprensa, o chefe da diplomacia de Washington afirmou que este é um momento decisivo nas negociações, mediadas ainda pelo Qatar e pelo Egito. E que esta seja “talvez a última oportunidade de levar os reféns para casa”.

Meirav diz que ela e os demais membros do fórum têm pouquíssimo acesso ao que ocorre nos bastidores, embora cada família mantenha contato diário com um funcionário do governo responsável por seu caso.

A notícia mais recente que ela teve de Romi foi durante a trégua ocorrida em novembro passado. Ela conta que a filha deveria ter sido libertada naquela semana, mas o cessar-fogo acabou sendo interrompido antes que isso pudesse acontecer, em 1º de dezembro.

Na ocasião, porém, uma das pessoas que tinha sido libertada disse a Meirav que sua filha estava vivendo na rede de túneis mantida pelo Hamas debaixo de Gaza. “Minha filha ainda está viva. Isso eu sei”, diz ela, que descreve Romi como uma pessoa que está sempre cercada de amigos e lutando pelo que é justo.

“Às vezes digo que eles cometeram um grande erro ao sequestrá-la”, acrescenta. “Tenho certeza de que ela está infernizando a vida deles. Tenho esperança de que ela esteja.”

O governo do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu tem sido acusado de menosprezar a situação dos reféns em prol de um objetivo militar que é para muitos inatingível, exterminar o Hamas. Outros vão mais longe e afirmam que o premiê tem dificultado de propósito as negociações com os terroristas para manter sua coalizão no poder.

Questionada sobre as críticas ao premiê, Meirav é cautelosa. Ela diz que só quem participa das negociações pode de fato avaliar a conduta do líder, e que este não é o caso dela.

“É muito fácil criticar os outros”, ela afirma. “Se isso for relatado pelos negociadores, precisa ser checado. E se for verdade, é algo contra o qual todos deveriam lutar. Líderes não podem trabalhar de acordo com suas agendas políticas. A guerra não é um objetivo, mas um meio para alcançá-lo.”

Pelo menos um dos países que atuam como mediadores no diálogo, o Qatar, já acusou Netanyahu de atrasar deliberadamente a libertação dos reféns para prolongar o conflito.

Quando o assunto são as manifestações contra a atuação de Israel em Gaza que se espalharam pelo mundo, Meirav é mais categórica. Para ela, quem protesta contra o conflito não entende “que esta não é uma guerra entre Israel e a Palestina”.

“É contra o Hamas. E o Hamas não liga se você é israelense ou brasileiro. Se você não é do Hamas, se você representa o mundo livre, eles vão te eliminar. Os palestinos têm o mesmo problema que Israel, e ele é o Hamas.”

Enquanto aguarda o desenrolar da situação, Meirav ainda cuida de seus outros quatro filhos —Yarden, 30, Shahaf, 27, Daria, 19, e Adam, 17. A mãe e os irmãos mais novos de Romi saíram de Kfar Vradim, cidade no norte do país próxima da fronteira com o Líbano e alvo de ataques do Hezbollah, aliado do Hamas. Hoje, vivem na capital, Tel Aviv.

Meirav diz que todos na família se sentem culpados, cada um deles à sua maneira. Mas não perdem as esperanças. No domingo (18), quando a jovem completou 24 anos, eles comemoraram a data com festa, para que ela se alegrasse com as fotografias do evento quando voltasse para casa.

“É muito difícil. Mas somos uma família muito forte. E estou tentando garantir que meus filhos serão fortes o suficiente para lutar pela irmã deles”, afirma Meirav.

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