Em 1999, o norte-americano Aaron Ross largou a faculdade de Stanford, nos Estados Unidos, para fundar seu próprio negócio de financiamento. Dois anos depois, entrou como diretor na Salesforce, empresa na qual criou um processo de vendas chamado Cold Calling 2.0. A nova metodologia rendeu à companhia US$ 100 milhões em faturamento recorrente. Em 2006, ele saiu da Salesforce e, de lá para cá, já foi membro do conselho e consultor de diversas empresas. No Brasil, abriu em 2017, com o empreendedor Thiago Muniz, a Receita Previsível, firma focada em consultoria de vendas, para aumentar o faturamento das companhias, a especialidade de Ross.
Para sua atual empreitada, ele escolheu o título do seu livro best seller, que rendeu mais de US$ 50 milhões em royalties (Receita Previsível), lançado em 2011 e que ficou conhecido como a bíblia de vendas do Vale do Silício. Atualmente atuante em funções consultivas e como requisitado palestrante no mundo todo, Ross, 43 anos, afirma que o Brasil ainda precisa trabalhar melhor as travas de inovação dentro dos times de vendas e que cada vez mais precisaremos de profissionais flexíveis quanto às mudanças necessárias dentro das empresas.
DC News – O que você aprendeu com as equipes de vendas no Brasil?
Ross – É a coisa mais importante sobre vendas e que também se aplica ao marketing: as pessoas precisam entender maneiras de trabalhar melhor em grupo. Isso significa realmente conhecer as pessoas.
DCN – Você vê alguma diferença nas equipes de vendas aqui no Brasil em comparação às dos Estados Unidos?
Ross – Não muitas. Existem algumas, mas são coisas que você esperaria. Por exemplo, nos Estados Unidos, você tem as tecnologias mais recentes, o que às vezes também acontece em alguns casos para a Europa. Algumas das ferramentas são diferentes também. No Brasil, vocês usam muito o WhatsApp. Nos Estados Unidos, o e-mail é a ferramenta de comunicação mais usada. Mas de certa forma a maneira como as pessoas trabalham é praticamente a mesma.
DCN – Faz diferença ter as melhores novas tecnologias primeiro?
Ross – Por algum tempo, fez. As pessoas nos Estados Unidos tinham acesso a novas tecnologias em primeira mão, o que significava que tinham tempo para aprender a usá-las da melhor forma. Isso acontecia muito no passado, mas é algo que está mudando. Vejo atualmente muitas novas tecnologias chegando mais rapidamente para novos mercados. Então, agora as pessoas têm acesso mais rápido a elas. A velocidade de adoção está acelerando.
DCN – Quais os principais erros que vendedores e equipes cometem no Brasil?
Ross – Não fazer a segmentação de clientes. As empresas brasileiras raramente segmentam seus clientes. Seja em categorias de grandes empresas, de pequenas empresas, ou até mesmo de diferentes segmentos de negócios. É importante dedicar tempo para realmente entender cada cliente e agrupá-los em segmentos lógicos. Além disso, entender que os segmentos são melhores para a sua empresa. É importante entender os clientes que trazem mais valor e permanecem mais tempo.
DCN – Além da questão da segmentação há outro erro?
Ross – Outra coisa que poderia ser melhorada é uma característica específica de liderança. É difícil ver líderes que se adaptam rapidamente às mudanças e realmente percebem o que está funcionando e o que não está. Há uma dependência excessiva no Brasil de pessoas que têm muita experiência, mas que não necessariamente podem se adaptar rapidamente a essas mudanças. Elas confiam demais no que está funcionando e acreditam que isso vai funcionar para sempre no futuro da empresa. Eu escolheria um líder menos experiente que seja mais aberto e mais experimental do que alguém que tem muita experiência, mas não é muito flexível.
DCN – Como mudar essa mentalidade?
Ross – Você precisa começar com o dono, o CEO e os investidores, porque a cultura é construída de cima para baixo. Você precisa manter a inovação e a tomada de riscos em algum nível. Muitas vezes, quando alguém constrói um negócio e o leva ao patamar de US$ 10 milhões, ou até menos, eles param de correr riscos, com receio de perder esse nível de negócios ou receita. É fácil cair nessa armadilha de não querer perder o que você construiu. É importante continuar com esse espírito de ser um empreendedor e continuar a correr alguns dos riscos que o tornaram bem-sucedido no começo. Isso também precisa ser feito como incentivo para sua equipe, a ensinando a ser inteligente sob riscos e mudanças. É sobre como você pode se adaptar sem ir longe demais, desde que não bloqueie todas as mudanças. Tudo se resume a liderar pelo exemplo.
DCN – Por que é importante que as equipes de marketing e vendas das empresas trabalhem juntas?
Ross – É uma batalha de 1 milhão de anos entre vendas e marketing, para definir quem recebe o crédito quando as coisas estão indo bem. É especialmente importante que trabalhem juntos, porque seu principal objetivo é a receita. Há muitas maneiras possíveis de melhorar isso de forma estrutural, mas depende principalmente do nível de cooperação entre os líderes dessas equipes. Mas uma solução estrutural que as empresas encontraram é a criação de um diretor de Receitas, que é alguém acima desses dois líderes, responsável por vendas e marketing juntos. Outra solução, mas menor, seria ter métricas semelhantes para ambas as equipes, tornando os objetivos mais claros estruturalmente. Uma coisa que as empresas podem tentar também é fazer os líderes de marketing e vendas trocarem de trabalho por algum tempo. Isso os faria perceber outros problemas de negócios nos quais nunca haviam pensado.
DCN – Qual a melhor maneira de lidar com métricas e KPIs (Key Performance Indicators)?
Ross – É importante analisar e determinar que métricas são realmente importantes, para que não se tornem algo muito complicado de acompanhar. Também é importante revisar isso de vez em quando, para tentar se livrar de todas as de que você não precisa.
DCN – Já se passaram 22 anos desde que você criou o Cold Calling 2.0 e arrecadou US$ 100 milhões para o Salesforce. Qual foi a lição mais valiosa que você tirou desse processo?
Ross – O que fiz foi criar essa equipe de vendas que fazia ligações frias e envios de e-mails frios. As táticas e técnicas não eram tão importantes. Realmente, o que funcionou foi o processo de não ter medo e tentar algo novo. Eu não sabia muito sobre vendas, mas me aprofundei bastante nisso e tentei fazer as coisas funcionarem. Demorou quatro meses até que houvesse alguns resultados reais, mas os executivos me deram esse espaço e não sabotaram o processo.
DCN – Como você vê as equipes de vendas das empresas usando IA?
Ross – É muito útil para aprender novos produtos. Também vejo sendo usada para escrever algo em que você está preso, templates e aquelas tarefas operacionais que podem ser facilmente feitas por IA.
DCN – Você acredita que as empresas precisam ter cuidado ao implementar novas tecnologias, como IA?
Ross – Eu não acho que elas precisem ter muito cuidado ao implementar tecnologias como IA. É quase como dizer que há 30 anos as empresas precisavam ter cuidado ao implementar a internet. Porém, as pessoas precisam ter cuidado em situações onde estão criando algo que substitui interações humanas, como atendimento ao cliente. Mas eu não acho que a IA seja o problema. Acho que se trata de ter uma abordagem ética para lidar com a IA. E isso pode ser um pouco complicado.
DCN – Pode citar um livro que mudou sua opinião sobre como administrar uma empresa ou uma equipe de vendas?
Ross – Sim. Um dos meus favoritos é o The Toyota Way, sobre como a Toyota criou a linha de montagem mais eficiente para seu sistema de fabricação de automóveis. Outro é o Wooden, que é sobre John Wooden, o treinador de basquete universitário mais bem-sucedido de todos os tempos nos Estados Unidos. Esse livro fala sobre gerenciar pessoas e como você pode comandar equipes por meio da influência.