JERUSALÉM, ISRAEL (FOLHAPRESS) – O violento ataque que despedaçou a cúpula do Hezbollah, a começar pelo homem que tornou o grupo fundamentalista libanês numa potência regional, é uma vitória tática indiscutível para Israel e uma redenção parcial para Binyamin Netanyahu.
Há quase um ano, o premiê viu sua política de tentar dividir os palestinos estrangulando a Autoridade Nacional na Cisjordânia e abrindo cofres seus e do Qatar para o Hamas render o mais horrendo ataque a Israel na história.
Agora, pode falar com certa hipérbole, mas não sem motivos, que está conduzindo o Oriente Médio a uma nova configuração. Em vez da reconciliação buscada há 30 anos por Ytzhak Rabin, a paz de Netanyahu é forjada a fogo.
O premiê continua sendo uma figura amplamente odiada, em especial por seu fracasso na questão dos reféns. Mas ganhou pontos, não menos por causa da percepção de que o Hezbollah teria de ser confrontado alguma hora.
Isso não torna esses ganhos permanentes, por óbvio. Em termos puramente militares, Israel parece extremamente cauteloso em relação à sua invasão do Líbano. Há motivos históricos para isso, dado que é um filme antigo que se vê nas telas de celular hoje.
Em 1978, Tel Aviv invadiu o sul do Líbano até a o rio Litani para expulsar as forças da OLP (Organização para a Libertação da Palestina) que de lá operavam ataques contra Israel. Alguém falou Hezbollah? Pois então, o grupo xiita nem era nascido e a questão já estava colocada.
Bem-sucedido, apesar de reveses como um massacre de represália perto de Tel Aviv, o governo israelense acabou saindo e deixando a segurança na mão de um aliado, o Exército do Sul do Líbano, formado por milícias cristãs que lutavam na guerra civil do país árabe.
O cenário, com se vê, era mais matizado ainda do que agora, mas alguns elementos subsistem. A Unifil, a impotente força da ONU para o sul libanês, foi formada naquele ano para em tese estabiliza a região.
Quatro anos depois, ainda atrás de Iasser Arafat e os seus, atacou novamente, chegando desta vez até Beirute. Entre idas e vindas, ficou 18 anos em solo libanês, vendo nascer no processo o Hezbollah por meio do Irã, que em 1979 virou uma república fundamentalista islâmica e passou a exportar seu modelo.
O grupo, formado em 1982 no vale do Bekaa pelos minoritários xiitas libaneses com a mão do Irã por trás, era um grupo lateral nessa história até a chegada de Hassan Nasrallah ao poder, cortesia do assassinato de seu antecessor por um míssil israelense em 1992.
O fracasso do acordo de retirada israelense em 2000, com o Hezbollah tornando o sul libanês numa base de lançamento de mísseis e foguetes contra Israel, ajudou a formar o quadro atual. No meio do caminho, em 2006, a guerra entre os rivais encerrada em empate levantou a moral dos extremistas.
Com o ataque do Hamas falhando em levar a uma operação frontal no norte pelo Hezbollah, surgiram dúvidas acerca das capacidades e da disposição dos libaneses. O pé no freio, ironicamente, estava em Teerã, que comanda a rede de rivais de Israel e dos EUA na região.
Enfraquecida por crises social e econômica, a teocracia viu o sucessor presumido do líder supremo, o presidente Ebrahim Raisi, morrer num estranho acidente de helicóptero em abril.
Isso explica o dilema atual do Irã, que foi encurralado pela velocidade com que Israel apertou o torniquete no pescoço do seu maior ativo regional. Se sair da retórica e atacar Israel, arrisca ver o peso de Tel Aviv e de Washington combinados contra si no mínimo, perderiam seu precioso programa nuclear.
Se não fizer nada e buscar acomodação, como a falta de represália pela morte do líder do Hamas em Teerã e a fala do novo presidente Masoud Pezeshkian sugerindo reabrir negociações nucleares com o Ocidente apontam, a pressão da linha dura poderá levar a mais tensão interna.
Uma solução intermediária seria um novo ataque com mísseis e drones, como o fracassado em abril, para mostrar serviço doméstico. Ainda assim, arriscaria uma escalada por parte de Tel Aviv.
Para Israel, que de quebra voltou a intensificar ações contra o Hamas, ora tornado uma guerrilha de difícil erradicação, o momento é favorável ao acerto de contas regional sonhado pelos extremistas religiosos do governo Netanyahu.
Mas isso tem custos e riscos, a começar pelo de jogar o acéfalo Líbano em mais um ciclo de violência com uma invasão e, pior para Tel Aviv, ter de afundar suas botas no atoleiro enquanto lida com os ataques de outros prepostos iranianos, como os houthis do Iêmen.