Com painel de Di Cavalcanti restaurado e músicos da Geração Z, Teatro Cultura Artística reabre após 16 anos. Reforma custou R$ 150 milhões

Uma image de notas de 20 reais
TCA nos anos 1950: painel de Di Cavalcanti em evidência
Crédito: Divulgação
  • Incêndio em agosto de 2008 destruiu quase todas as instalações do TCA, que foi inaugurado em 1950 com regência de Villa-Lobos e Camargo Guarnieri
  • Mantido por doações, teatro reabrirá no próximo dia 25, com filarmônica alemã. Auditório principal tem capacidade para 750 pessoas
Por Vitor Nuzzi

O ator Marco Nanini protagonizava a peça O Bem-Amado, no Teatro Cultura Artística (TCA), na região central de São Paulo, em 2008. O texto original de Dias Gomes deu origem a novela, peça e filme. Com apresentações de sexta a domingo, a temporada foi drasticamente interrompida por um incêndio na madrugada de 17 de agosto daquele ano, um domingo. Ninguém se feriu. Só o zelador estava no local. “Estou em estado de choque. A perda do teatro é irreparável”, disse Nanini, pouco depois de saber do incêndio. Agora, 16 anos depois, no próximo domingo, dia 25, às 17h30, o TCA reabre as portas para o público, com quatro apresentações da Filarmônica de Câmara Alemã de Bremen (The Deutsche Kammerphilharmonie Bremen).

Os ingressos para essa noite de gala já estão esgotados. Entre lei de incentivo, patrocínio e doações, a reforma custou R$ 150 milhões. Afinal, pouca coisa sobrou do TCA após a destruição causada pelas chamas. Escaparam apenas o foyer (área de entrada) e parte do primeiro andar. Entre as perdas, estavam dois pianos da clássica família Steinway & Sons – um dos quais estava no local havia 20 anos -, além de equipamentos, figurinos, cenários. Um dos itens pouco atingidos e que passou por restauração, para voltar a ocupar lugar de destaque no teatro, foi o painel Alegoria das Artes, do pintor modernista Di Cavalcanti. Com 48 metros de comprimentos e 8 metros de altura, a obra que retrata musas da mitologia fica na parte externa do TCA, na rua Nestor Pestana.

O teatro foi inaugurado em março de 1950, com a Orquestra Sinfônica de São Paulo – que daria origem à Municipal – apresentando obras de Camargo Guarnieri e Heitor Villa-Lobos, regidas pelos próprios compositores. A rigor, o primeiro concerto após a reabertura foi realizado no último dia 3, com a Orquestra Sinfônica Municipal (OSM), homenagens a antigos funcionários e uma plateia especial: os mais de 300 trabalhadores envolvidos na reconstrução do edifício, projetado pelo arquiteto Rino Levi – o projeto foi aprovado em 1945 e as obras começaram dois anos depois. Mas a Sociedade Cultura Artística havia sido criada muito antes, em 1912, durante um dos costumeiros saraus na casa do poeta, jornalista e político Vicente de Carvalho, que morreu há 100 anos.

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Painel na área externa do teatro passou por restauração
Crédito: Nelson Kon/Divulgação

Bem antes do incêndio, a história do TCA passou por altos e baixos. Em 1955, ou seja, com apenas cinco anos de existência, parte do prédio teve de ser demolida devido à queda da estrutura que sustentava o teto. A reinauguração foi em janeiro de 1956. No ano seguinte, o Cultura Artística criou uma companhia estável de dança, que duraria apenas dois anos. Em 1960, as dificuldades financeiras levaram a administração do teatro a arrendá-lo para a TV Excelsior. Seis anos depois, houve uma inusitada apresentação de um show com 12 músicas de autores da Jovem Guarda, interpretadas por cantores eruditos e arranjos para orquestra.

TOMBAMENTOS – Haveria ainda outra reforma, mais simples, a partir de 1973. Isso depois que o Governo Militar fechou a TV Excelsior. Assim, a Justiça executou o despejo pedido pelo Cultura Artística, que retomou o teatro, deteriorado e com muitas contas a pagar. A sede foi reaberta apenas em 1977, desta vez com a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp) e novamente com obras de Guarnieri e Villa-Lobos. Desde então, o TCA passou por processos de tombamento histórico estadual (Condephaat, 2009), municipal (2011, Conpresp) e nacional (Iphan, 2016). Para a reforma atual, segundo o Ministério da Cultura (MinC), só o trabalho de restauro do equipamento somou R$ 87,5 milhões, com recursos da Lei Rouanet.

Reabertura extraoficial teve concerto para trabalhadores da obra
Crédito: Tarcisio Boquady/ MinC

O teatro é particular e mantido por doações dos patrocinadores, entre pessoas físicas e jurídicas. Foi assim desde o princípio, com mais de 200 patronos da construção do TCA, incluindo muitas famílias tradicionais de São Paulo. Já os patronos da reconstrução foram categorizados conforme o valor doado – mais de 400 pessoas e empresas contribuíram com até R$ 30 mil. Além desses, houve mais de uma centena de doações, divididas em cinco categorias: Turmalina (de R$ 30 mil a R$ 99.999), Safira (de R$ 100 mil a R$ 299.999), Rubi (de R$ 300 mil a R$ 999.999), Esmeralda (de R$ 1 milhão a R$ 3.999.999) e Diamante (acima de R$ 4 milhões). Segundo o TCA, do total de R$ 150 milhões da reconstrução, incluindo o painel restaurado de Di Cavalcanti, foram captados até agora R$ 140 milhões, sendo R$ 109,8 milhões via Rouanet.

O novo TCA tem duas salas de espetáculo, com 750 e 150 lugares, respectivamente. No térreo, ficarão um café e uma filial da livraria Megafauna, instalada em outro ícone paulistano, o edifício Copan, a 400 metros dali. Na reabertura, os primeiros concertos, da Filarmônica de Bremen, terão a presença de músicos da nova geração, também chamada de Z: o regente será o finlandês Tarmo Peltokoski, 24 anos, e o pianista, o canadense Jan Lisiecki, 29, embaixador do Unicef no Canadá. No programa, Jean Sibelius, Ludwig van Beethoven e Villa-Lobos. A programação até o final do ano pode ser conferida em Próximos Eventos – Cultura Artistica.

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