Congresso tenta de novo driblar STF e se diz engessado sobre falta de transparência de emendas

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Crédito: Divulgação ACSP

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O Congresso Nacional afirmou ao STF (Supremo Tribunal Federal) nesta terça-feira (6) que não consegue identificar os parlamentares autores dos pedidos originais das emendas de comissão.

A falta de transparência sobre a destinação desse tipo de emenda, que supera R$ 15 bilhões neste ano, foi o principal motivo usado pelo ministro Flávio Dino para determinar a suspensão do pagamento dos recursos na última quinta-feira (1º).

A impossibilidade de identificar os autores foi informada por representantes do Congresso durante reunião na sede do STF. Segundo a ata do encontro, os advogados da Câmara dos Deputados defenderam não haver falhas na transparência das emendas.

“Em relação à RP8 (emendas de comissão), as informações estão disponíveis e atendem o procedimento do regimento, mas a figura do patrocinador não existe no Congresso, de modo que o Congresso não tem como colaborar”, diz a ata sobre a manifestação da Câmara.

As emendas de comissão têm como autores os presidentes das comissões temáticas do Congresso. Os colegiados costumam aprovar o envio do dinheiro de forma genérica no ano anterior, destinando grandes valores para ações como “fortalecimento do SUS”.

Durante o ano da execução das emendas, o presidente da comissão envia documentos ao governo solicitando a liberação gradual dos recursos para ações específicas, como melhorias na infraestrutura de determinado hospital.

Na avaliação de Flávio Dino, a falta de transparência das emendas de comissão repete o problema das emendas de relator, derrubadas no fim de 2022 pelo Supremo. O ministro defende que o parlamentar que patrocinou a emenda enviada pela comissão seja identificado pelo Congresso.

O secretário de Controle Externo do TCU (Tribunal de Contas da União), Marcelo Eira, defendeu que sejam criadas planilhas para centralizar informações sobre as emendas de comissão.

“As informações existentes estão desencontradas, pulverizadas, o que inviabiliza a transparência”, disse Marcelo, segundo a ata divulgada pelo Supremo.

A AGU (Advocacia-Geral da União) afirmou que o “Executivo não tem acesso” aos nomes dos parlamentares que indicaram as emendas de comissão. Ela ainda pediu pressa para se achar uma solução para o impasse.

“O cumprimento das obrigações estabelecidas na decisão deve ser feito com a máxima celeridade para não comprometer projetos em andamento.”

O Supremo decidiu criar um grupo de trabalho com representantes do governo federal e do Tribunal de Contas para identificar quais dados faltam para garantir a transparência e rastreabilidade das emendas. O grupo deve apresentar até 21 de agosto um relatório prévio sobre o caso, e o Congresso deve enviar novos dados para complementar o parecer em meados de setembro.

A reunião foi convocada por Flávio Dino para debater questões técnicas relacionadas às emendas parlamentares. O foco era esclarecer a decisão do ministro que determinou que emendas de comissão e transferências especiais (emendas Pix) só pudessem ser pagas pelo governo se houvesse “total transparência e rastreabilidade”.

A decisão de Dino foi considerada imprecisa por assessores técnicos do Congresso e integrantes do governo Lula (PT).

Mesmo sem entender o alcance da decisão do ministro, a Advocacia-Geral da União interrompeu o pagamento de todas as emendas de comissão e os restos das emendas de relator para evitar eventual descumprimento da determinação judicial.

As emendas de comissão são aprovadas pelos colegiados temáticos do Congresso e não têm autor único. Quando os valores são repassados ao governo, o documento é assinado pelo presidente da comissão. É ainda anexada a ata da reunião em que a distribuição do dinheiro foi aprovada.

No entorno do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), acredita-se que o procedimento atual já garante transparência. Auxiliares de Dino, porém, afirmam que a decisão estabelece para as emendas de comissão os mesmos critérios de transparência das emendas de relator.

Nesse modelo, os autores dos pedidos originais dos recursos precisam ser identificados. Como exemplo: se a Comissão de Saúde da Câmara aprova o envio de R$ 100 mil para um município de Minas Gerais, o deputado que sugeriu a destinação do dinheiro deve ter o nome divulgado.

As chamadas emendas Pix seguem outros critérios. Elas são uma modalidade de emenda individual que autoriza envio rápido de dinheiro para estados ou municípios. O valor não chega carimbado para execução de determinada obra, e a prefeitura ou governo estadual pode gastar o dinheiro como quiser.

A alta discricionariedade e a dificuldade de rastrear o dinheiro são os principais problemas das emendas Pix. Pelo mesmo motivo, congressistas têm utilizado cada vez mais esse tipo de mecanismo para acelerar o envio de recursos para seus redutos eleitorais.

Só neste ano, mais de R$ 4 bilhões foram distribuídos em emendas Pix. Em 2022, o valor foi de R$ 1,5 bilhão.

Além de determinar a suspensão dos pagamentos das emendas sem transparência, Flávio Dino mandou a Controladoria-Geral da União realizar uma série de levantamentos sobre esse tipo de gasto.

O governo ainda terá de fazer auditoria da aplicação das emendas Pix e verificar como esse dinheiro foi usado por ONGs e entidades do terceiro setor agraciadas pelos recursos.

O valor das emendas parlamentares tem crescido de forma substancial nos últimos anos, muito em razão da combinação do fortalecimento do centrão —o grupo de partidos de centro-direita e de direita que comanda o Congresso— com o fracasso dos últimos governos em formar uma maioria coesa.

A discussão na Justiça sobre as emendas começou após se identificar que as emendas de relator, turbinadas pelo Congresso em 2020, passaram a servir como instrumento de barganha política.

As emendas parlamentares também favorecem políticos do centrão mais alinhados às presidências da Câmara e do Senado. A divisão dos recursos pelos estados cria uma série de distorções —como a falta de acesso à água no semiárido brasileiro em municípios que não são comandados por aliados políticos da cúpula do Congresso, conforme mostrou a Folha na série de reportagens Política da Seca