SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Prefeitura de São Paulo vai receber na semana que vem R$ 2,28 bilhões da Sabesp em recursos que seriam repassados apenas entre 2025 e 2029. A antecipação dos valores, em ano de eleição municipal, foi acordada com o governo estadual e incluída na lei que viabilizou a privatização da companhia, aprovada pela Câmara Municipal em maio deste ano e sancionada por Ricardo Nunes (MDB) no mesmo dia.
O montante será aplicado em um fundo destinado à construção de casas para famílias de baixa renda, obras de regularização fundiária, limpeza de córregos, contenção de encostas entre outros serviços de infraestrutura e saneamento.
Atualmente, a Sabesp já tem a obrigação de transferir 7,5% da receita obtida com a exploração dos serviços de água e esgoto na capital paulista para esse fundo, chamado FMSAI (Fundo Municipal de Saneamento Ambiental e Infraestrutura).
No entanto, a Câmara Municipal mexeu nesse repasse quando aprovou a lei que deu sinal verde para o governo estadual seguir com a privatização da companhia de saneamento.
Vereadores incluíram no projeto um trecho que obriga a Sabesp a antecipar 5,5% da receita projetada para o período de 2025 a 2029. O texto exige que a transferência seja feita em até 30 dias após a mudança de controle acionário da Sabesp, que foi concluída no último dia 23 de julho.
Em nota, a Prefeitura de São Paulo disse que o valor a ser pago em parcela única é de R$ 2,28 bilhões. A Sabesp disse o repasse será feito no dia 22 de agosto.
A antecipação integra um pacote de benefícios que a Câmara Municipal incluiu no projeto de lei como forma de ampliar os ganhos da capital paulista com a privatização.
Isso foi possível porque, embora a desestatização precisasse apenas de aval em âmbito estadual, os vereadores da capital precisavam alterar uma lei para evitar que o contrato entre prefeitura e Sabesp fosse extinto com a mudança de controle acionário da companhia.
Na prática, a decisão servia de sinal verde para que o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) pudesse seguir com a privatização. Como o município de São Paulo responde por quase metade do faturamento da Sabesp, uma não adesão diminuiria o interesse privado e tornaria o processo inviável.
Com poder de barganha alto, a Câmara Municipal incluiu uma série de benefícios à capital no projeto de lei, aumentando o percentual que a companhia de saneamento é obrigada a investir na cidade (de 13% para 25% da receita) e antecipando o repasse de recursos ao FMSAI.
Inicialmente, o texto falava em adiantar 3% da receita estimada para o período entre 2025 e 2029. Mas a lei, que foi aprovada com apoio de Nunes, estabeleceu um repasse maior ao fundo, de 5,5%.
O vereador Sidney Cruz (Solidariedade), que presidiu a Comissão Especial de Estudos sobre a privatização da Sabesp, diz que a antecipação foi fruto de uma negociação entre a Câmara Municipal e o governo estadual. Segundo ele, isso vai permitir a execução de projetos importantes num prazo mais adequado.
Cruz, que é aliado de Nunes, cita como exemplo a necessidade de melhorar a infraestrutura em torno das represas Billings e Guarapiranga, já que os recursos do FMSAI podem ser aplicados na construção de casas na região, assim como em serviços de urbanização, saneamento e regularização fundiária ao redor das bacias hidrográficas.
Questionado se a antecipação de uma cifra bilionária em ano eleitoral não traria uma vantagem a Nunes, o vereador minimiza qualquer impacto na disputa pela Prefeitura.
Cruz argumenta que faltam cerca de 50 dias para o primeiro turno, e os valores sequer foram transferidos. Como os projetos devem ser executados só no próximo ano, a avaliação é de que não há margem para colher benefícios eleitorais.
A antecipação vai representar uma enxurrada inédita de recursos no FMSAI. Em 2022, último ano com dados disponíveis, os repasses da Sabesp –que são a fonte primária de receitas do fundo– somaram R$ 557 milhões.
Documento de prestação de contas mostra que metade dos recursos daquele ano foi destinada a programas de moradia, como construção de unidades habitacionais, regularização fundiária e urbanização de favelas.
Pouco mais de um terço foi usado em intervenções no sistema de drenagem e compensações ambientais. Uma fração menor foi para ações em áreas de risco, implantação de parques urbanos e requalificação de unidades de conservação.
DESCONTO EM DÍVIDA
As negociações em torno da privatização da Sabesp também renderam outro ganho à Prefeitura de São Paulo: um desconto na dívida de R$ 3,1 bilhões que o município tem com a companhia de saneamento. O débito, referente a contas não pagas, já estava inscrito como precatório e não poderia ser contestado mais.
Durante as tratativas para a desestatização, Câmara Municipal, Prefeitura e Governo estadual chegaram a um acordo para diminuir o montante. O desconto não foi incluído no projeto de lei, mas foi acordado verbalmente.
Em nota, a Sabesp disse que as negociações sobre antecipação de repasse e desconto na dívida foram feitas no âmbito do processo de desestatização.
“A empresa aderiu ao programa anual da Prefeitura de São Paulo destinado a todos os titulares de precatórios para acordo direto. Com isso, poderá receber antecipadamente com desconto valores que poderiam levar anos ou décadas para serem pagos”, afirmou.