São Paulo segue exemplo de Nova York: galerias de arte começam a chegar a bairros antes esquecidos

Uma image de notas de 20 reais
Exposição da artista Sandra Mazzini, na galeria Janaina Torres
Filipe Berndt/Divulgação
  • Barra Funda, na cidade de São Paulo, ocupa segundo lugar em escala de bairros com maior número de galerias de arte na capital
  • “Essa movimentação é importante para mostrar que a arte tem de estar ao acesso de todos”, disse Eduardo Kobra, ícone da street art, com mais de 100 murais espalhados por São Paulo
Por Naira Zitei

No paulistano bairro de Pinheiros, num prédio comercial com lojas de roupas femininas e restaurantes, Janaina Torres – homônima da chef eleita a melhor do mundo – abrigava sua galeria de arte, que leva seu nome. No entanto, assim como toda boa obra tem um contexto, ela entendeu que seu espaço também precisava de um. Foi assim que decidiu sair da Zona Oeste e seguir para a Barra Funda, lugar que segundo a galerista mostra “a vida como ela é”. Janaina não foi a única a fazer esse movimento. Aos poucos, o bairro da região central de São Paulo passa por uma transformação já vista no Chelsea, em Nova York, que no fim do século 20 deixou de ser um espaço de moradias de baixa renda, armazéns e galpões para virar referência no universo artístico.

O consultor de arte Alexandre Spinola aponta alguns fatores que fizeram com que galeristas preferissem a Barra Funda a regiões como os Jardins ou o eixo Itaim-Pinheiros-Vila Madalena, considerados mais nobres e que concetram o maior mercado de arte da cidade. Segundo ele, são três pontos que se estacam. Especulação imobiliária, espaços maiores de bom custo-benefício e proximidade com o circuito cultural da cidade. Considerando a lista de galerias expositoras na SP-Arte, as associadas da Associação de Galerias de Arte do Brasil e a Associação Brasileira de Arte Contemporânea, a Barra Funda hoje perde apenas para o Jardim Paulista em quantidade de espaços de comercialização de arte.

Os mesmos motivos também foram os responsáveis por dar ao Chelsea o status de maior polo artístico de Nova York, hoje com cerca de 300 galerias de arte, conforme aponta levantamento do governo local. Antes de a região sudoeste de Manhattan alcançar esse posto, a área era ocupada prioritariamente por indústrias, oficinas, ferros-velhos e pontos de prostituição. Tudo em meio a muitos galpões e armazéns. A partir dos anos 1990, galeristas viram uma oportunidade para comercializar arte, fenômeno que agora começa a acontecer na Barra Funda. O fato de o Brasil se espelhar nos Estados Unidos nesse segmento não surpreende, uma vez que os americanos são responsáveis por 42% do mercado de arte global, segundo relatório da Art Basel UBS de 2024.

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MUDANÇA – Fincado na Zona Oeste paulistana, mas ‘do outro lado’ da linhas de trem e metrô, o bairro da Barra Funda começou a despontar a partir de 2020. Naquele ano, a capital viveu um boom imobiliário, que verticalizou muitas áreas e fez com que o Índice Geral de Preços (IGP), referência para reajustes de aluguéis, subisse a 23,14%, porcentual três vezes maior do que o de 2019 (7,30%). Para Janaina Torres, que transferiu a sua galeria de Pinheiros para a Barra Funda em 2021, estar fora do circuito principal do mercado da arte não foi um problema. “Todo mundo fala: ‘Será que as pessoas vão até a Barra Funda?’ Vão sim!”, disse a galerista. “Quem tem interesse em ver o que a gente está apresentando, vem. No fim, se tornou um grande circuito.”

A história de Tato DiLascio é muito próxima à de Janaina Torres. Por cinco anos, ele teve uma galeria de arte na Rua Fradique Coutinho, na Vila Madalena, reduto boêmio e artístico de São Paulo. Até que, em 2023, decidiu se mudar para a rua Barra Funda. Ali DiLascio se instalou num galpão de 150m² e 5m de altura e preencheu um espaço que era vazio com peças de arte. Para ele, a concentração de locais artísticos numa nova região é benéfica para fomentar o mercado. O fato de ser na Barra Funda facilita o acesso das pessoas, já que o bairro tem ampla rede de transporte público.

Galeria Tato localizada no bairro Barra Funda, em São Paulo
Crédito: Paulo Pereira/Divulgação

Outro ganho apontado pelos galeristas é a diversificação do público nos espaços. Janaina diz que os centros das capitais já têm essa riqueza de muitos mundos. “Acaba sendo um polo de atração, com vários pensamentos, tribos e manifestações artísticas”, afirmou. “É importante termos esse tipo de ambiente em bairros fora do centro.” Ícone da street art, com mais de 100 murais espalhados por São Paulo e trabalhos expostos em cerca de 40 países, Eduardo Kobra concorda. “Essa movimentação é importante para mostrar que a arte tem de estar ao acesso de todos. Não pode ser privilégio apenas das classes mais altas da sociedade”, afirmou Kobra. Além do público mais multifacetado, Kobra afirma que a diversidade cresce também pelo lado dos artistas. “São Paulo é uma cidade gigantesca, com oportunidades riquíssimas para street art e para galerias.”

É evidente que acessibilidade não significa necessariamente a democratização da arte. Como afirma o consultor de arte Alexandre Spinola, as galerias adoram receber pessoas. “É como entrar numa loja, num comércio qualquer”, disse. “Mas, em geral, as pessoas ainda olham com distanciamento.” Mas é fato que a chegada de galerias a bairros menos badalados pode ajudar a mudar esse tipo de comportamento. Afinal, como diz o galerista Tato DiLascio, “trata-se de um processo em andamento”. E no centro dele está a Barra Funda.

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