Brasil-China têm agenda estratégica. Relação comercial é de US$ 136 bilhões, o dobro em relação aos EUA

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Lula e Xi Jinping: parcerias estratégias em cenário de nova geopolítica global
Ricardo Stuckert/PR
  • A China é principal parceiro comercial do Brasil há 15 anos. Exportações saltaram de US$ 5 bilhões (2004) para US$ 83 bilhões
  • Presidentes Lula e Xi Jinping se reunirão em Brasília, depois da agenda do G20, para discutir economia e alinhamentos diplomáticos em pautas globais
Por Vitor Nuzzi

Brasil e China estabeleceram relações diplomáticas há 50 anos, ainda durante a ditadura. Há 15 anos, o país asiático tornou-se o principal parceiro comercial. Em um volume que supera de longe os negócios com os Estados Unidos. De janeiro a outubro, a corrente de comércio de brasileiros e chineses soma US$ 136,3 bilhões, mais de duas vezes a com os americanos (US$ 67,2 bilhões). Se consideradas apenas as exportações, as vendas brasileiras para a China (US$ 83,4 bilhões) são maiores que as feitas para EUA (US$ 32,9 bilhões) e União Europeia (US$ 40,5 bilhões) somadas. Vinte anos atrás, o Brasil exportava US$ 5 bilhões para os chineses e US$ 20 bilhões para os EUA. Essa relação será esmiuçada nesta quarta-feira (20), quando os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Xi Jinping se encontrarão no Palácio do Alvorada, em Brasília, um dia depois do encerramento da cúpula dos líderes do G20, no Rio de Janeiro – o Brasil passou a presidência do bloco à África do Sul. Um dia inteiro de atividades: haverá reuniões (restrita e ampliada), almoço e jantar, este no Palácio do Itamaraty.

Segundo o secretário de Ásia e Pacífico do Ministério das Relações Exteriores, Eduardo Saboia, o encontro, entre outros objetivos, reitera o esforço brasileiro de ampliar o comércio bilateral, ampliando a balança com produtos brasileiros de maior valor agregado. Hoje, os principais itens vendidos aos chineses são commodities – soja, óleos brutos de petróleo e minério de ferro. Vêm para cá produtos como válvulas, equipamentos de telecomunicações e veículos automotores, como se comprova observando a crescente presença de automóveis chineses nas ruas. Antes de desembarcar no Brasil, Xi Jinping participou da inauguração, ainda parcial, do Porto de Chancay, no Peru, que será administrada pela multinacional Cosco Shipping Company. Com isso, a China amplia na região sua capacidade de desembarque e embarque de mercadorias. O governo brasileiro também vislumbra possíveis investimentos em obras do Novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).

RISCOS – A questão central é se essa dependência brasileira será sustentável no curto e médio prazos. Na terça-feira (19), o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, afirmou que o país asiático tem trocado seu modelo econômico. “A participação do consumo no PIB tem caído no passado recente”, disse durante o seminário Economia: Cenários & Tendências para 2025, organizado pela AGÊNCIA DC NEWS. Segundo ele, os dados mostram que investimentos em ativos fixos, construção civil e mercado de imóveis têm retraído e a aposta está agora num mix entre consumo e investimentos em tecnologia, muito ligada à eletrificação. “A grande pergunta é: qual o risco para o mercado chinês e, em consequência, para o restante do mundo?”

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Outro ponto destacado por Campos Neto, e pouco explorado por economistas e mídia, é o envelhecimento da população chinesa por causa da baixa taxa de natalidade, muito acima da média global, o que deve impactar fortemente o comportamento econômico de Pequim. “Em resumo, a gente no Brasil de fato precisa de um modelo exportador com maior valor adicionado.” Paralelamente, existe uma reação global ao modelo da China. “O mundo tem reagido colocando restrições comerciais barreiras de forma exponencial. Recentemente, o Canadá taxou em 100% veículos chineses. Turquia colocou taxação. Índia debate se deve colocar também…” Para o presidente do BC, houve uma aposta chinesa nesse modelo exportador de maior valor agregado e acontece uma itensa resistência do mundo a esse modelo. “O quanto isso vai impactar o crescimento chinês? E se sim, o quanto afetará o Brasil e os demais emergentes?”

PRAGMATISMO – Para o professor associado Yi Shin Tang, do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (IRI-USP), haverá dificuldade para o Brasil expandir sua pauta exportadora, a não ser que haja uma mudança “radical” na política industrial. Para o professor, o país não deu prioridade aos chineses em relação a Estados Unidos e Europa, mas os asiáticos é que tiveram portas fechadas nessas regiões e tiveram de buscar mercados em regiões periféricas do ponto de vista global. “Por outro lado, não há ingênuos nesse jogo político. A China busca alinhamento com o Brasil em pautas com escala mais ampla, como o Conselho de Segurança da ONU.” Tang acredita, no entanto, que o governo brasileiro não mudará sua estratégia em relação ao parceiro asiático, sem alinhamento automático com Pequim. “O Brasil continuará adotando uma postura pragmática e equidistante.”

Em artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo às vésperas da chegada ao Brasil, Xi Jinping afirmou que o chamado Sul Global –expressão que tenta abarcar países emergentes e se contrapor ao mundo do “Norte” de americanos e europeus –, apesar de estar em ascensão, não é ouvido como deveria. Assim, Brasil, China e outras nações precisam “defender com toda a firmeza os interesses comuns dos países em desenvolvimento, enfrentar desafios globais com cooperação, tornar a governança global mais justa e equitativa, e contribuir para a paz, a estabilidade e o desenvolvimento comum do mundo”. Os dois países já compõem o Brics, ao lado de África do Sul, Índia e Rússia, e mostraram proximidade na tentativa de resolução do conflito entre Rússia e Ucrânia.

O professor Yi Shin Tang não vê paralelo entre o momento atual e o da Segunda Guerra, quando o governo brasileiro de Getulio Vargas de certa forma barganhou entre países aliados (EUA e Inglaterra à frente) e do Eixo (formado por Alemanha, Itália e Japão). “A situação não é exatamente igual”, disse. Mas pode existir o dilema diplomático de um novo cabo-de-guerra. “O risco de Estados Unidos, em maior grau, e China, em menor grau, exigirem algum tipo de exclusividade”. Ele observa que daqui a dois anos o Brasil terá eleições e o posicionamento do governo poderá mudar. Como já ocorreu quando houve coincidência de mandatos entre as gestões Jair Bolsonaro e Donald Trump, que agora está de volta. De toda forma, o alinhamento ideológico automático daquele período não garantiu qualquer tipo de vantagem. “Não houve benefícios comerciais claros para o Brasil. Não houve avanço em termos de integração econômica ou fluxos”, disse Tang.

Ao mesmo tempo, segundo ele, o mundo vive um período de “fragmentação das relações internacionais”, com enfraquecimento das instituições multilaterais. “A OMC [Organização Mundial do Comércio], órgão de resolução de disputas, faz duas décadas que não consegue avançar em acordos de cooperação.” A reforma desses organismos, como escreveu o presidente chinês, é demanda dos países com menor influência, que enfrentam justamente a resistência dos países que controlam os mecanismos de decisão, mais interessados em negociações bilaterais. Como é difícil mudar, as nações periféricas estão optando por criar soluções alternativas – o próprio Brics e o seu Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), por exemplo. É nesse grande xadrez global que acontece a intensa agenda desta quarta-feira (20) entre Lula e Xi Jinping.

BRASIL X CHINA EM 2024
(janeiro-outubro)

  • Corrente de comércio: US$ 136,3 bilhões
  • Exportações: US$ 83,4 bilhões
  • Importações: US$ 52,9 bilhões






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