Erica Fridman, da Sororitê: "Investimento em startup fundada por mulher é raro. Isso desestimula futuras empreendedoras"

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"Acreditamos no potencial das mulheres fundadoras para gerar rentabilidade e transformar o ecossistema de inovação", afirma Erica Fridman
Crédito: Luciano Alves
  • "Conflitos entre fundadores são uma das principais causas de falência de startups, por isso avaliamos se a equipe está preparada para manter a coesão em momentos difíceis"
  • "O próximo desafio é mostrar que investir em startups lideradas por mulheres não é apenas uma questão de impacto social, mas também uma decisão financeiramente sólida"
Por Bruna Galati

Erica Fridman é muito clara e direta. “Acreditamos no potencial das mulheres fundadoras para gerar rentabilidade e transformar o ecossistema de inovação”, afirmou à DC NEWS. “Investimos em mulheres CEOs para que possam alcançar todo o seu potencial.” Junto de Flávia Mello e Jaana Goeggel são cofundadoras da Sororitê Angel Network, a maior rede de investidoras-anjo do Brasil. Até agora, já direcionaram mais de R$ 6 milhões para 17 startups fundadas por mulheres. Este ano, a Sororitê lançou o Sororitê Fund 1, fundo de venture capital de R$ 25 milhões com o objetivo de se tornar o principal veículo de investimento em startups em estágio inicial fundadas ou cofundadas por mulheres.

DC NEWS – O que motivou a criação da Sororitê e por que focar exclusivamente em startups lideradas por mulheres?
Erica Fridman – Eu acredito profundamente que as startups que hoje são pequenas têm o potencial de transformar o mundo, assim como vimos com gigantes como Google e Meta, que começaram como startups e foram lideradas por homens. Isso me faz refletir sobre como o mundo seria se essas empresas tivessem sido fundadas e lideradas por mulheres. Não só a mentalidade seria diferente, mas o capital gerado por esses líderes também seria distribuído de forma distinta.

DCN – Como o capital seria distribuído?
Erica – Nos Estados Unidos, por exemplo, temos o famoso caso da ‘máfia do PayPal’, um grupo de fundadores que investem entre si, gerando um ciclo de riqueza. Isso me leva a pensar como seria se nós, mulheres, tivéssemos esse mesmo tipo de rede de apoio e investimentos. Foi com essa visão que começamos como uma rede de investidoras-anjo, incentivando outras mulheres a dar o primeiro cheque para startups nas quais acreditam. Se nós não apoiarmos esses projetos desde o início, muitas dessas empresas nem terão a chance de existir.

DCN – Quais são os principais desafios que mulheres empreendedoras enfrentam ao tentar levantar capital?
Erica – O estudo Empreendedorismo de Mulheres em Inovação no Brasil, realizada pela Júpiter Escritório de Projetos, fez alguns levantamentos sobre os desafios enfrentados pelas mulheres. Um dos maiores problemas é a falta de autoconfiança. Muitas vezes, elas se questionam se pertencem ao espaço em que estão, algo que afeta diretamente a forma como se apresentam e buscam investimento. Isso é uma camada extra de dificuldade que homens geralmente não enfrentam. O mercado é difícil para qualquer um, mas essa autocrítica constante pode minar as oportunidades das mulheres.

DCN – Quais outras dificuldades dá para elencar?
Erica –
Outro obstáculo é a falta de networking. As mulheres têm menos acesso a redes de contatos onde poderiam se conectar com investidores potenciais. No ecossistema de venture capital é comum que as pessoas se recomendem entre si, e se alguém não for conhecido dentro do meio fica muito mais difícil conseguir reuniões ou oportunidades de investimento. Além disso, as mulheres frequentemente enfrentam perguntas inadequadas ou discriminatórias ao buscarem investimento.

DCN – Como quais?
Erica –
Questões pessoais que não têm relevância para o negócio, mas que acabam minando sua confiança. Comentários sobre aparência ou estado civil são comuns e irrelevantes no processo de avaliação do potencial de uma empresa, mas ainda assim ocorrem, dificultando ainda mais a jornada dessas empreendedoras.Para as mulheres, a ocupação de novos espaços pode trazer a sensação de que precisam questionar se deveriam estar ali, se estão desempenhando bem seu papel. Minha hipótese é que essa autocrítica feminina está ligada a séculos de exclusão e à conquista relativamente recente de espaços de poder e decisão.

DCN – Com todo esse contexto, como você enxerga a evolução do cenário de startups lideradas por mulheres no Brasil e no mundo?
Erica – A questão do investimento em startups lideradas por mulheres tem evoluído, mas ainda enfrenta muitos desafios. Embora tenhamos visto progressos, os números ainda são preocupantes. O problema é cíclico: poucas startups de mulheres recebem investimentos, e isso desestimula outras mulheres a empreender, criando uma barreira cultural e estrutural. É um ciclo que precisa ser quebrado. Iniciativas como grupos de investimento focados em mulheres têm ajudado a mudar essa realidade. Quando as mulheres veem exemplos de investidoras e empreendedoras que estão conseguindo romper barreiras, elas se inspiram a seguir o mesmo caminho, o que já não acontecia. Outra questão importante é o impacto de ter mais mulheres no controle dos negócios.

DCN – Qual o peso de líderes mulheres?
Erica – Estudo após estudo mostra que mulheres líderes tendem a contratar outras mulheres e fomentar uma cadeia de colaboradores com diversidade. Isso gera novas oportunidades e pode resultar, por exemplo, em independência financeira para mulheres que antes não tinham essa possibilidade. No entanto, é preciso provar que essas teses também trazem retorno financeiro. É o próximo desafio: mostrar que investir em startups lideradas por mulheres não é apenas uma questão de impacto social, mas também uma decisão financeiramente sólida.

DCN – Como aumentar a representatividade feminina nos cargos de liderança, tanto em startups quanto em grandes corporações?
Erica – As grandes empresas já estão mais atentas à questão da diversidade e inclusão, especialmente porque os acionistas e investidores estão cobrando esse tipo de postura. Há 30 anos, esses temas não eram parte da discussão corporativa, mas hoje, cuidar de questões salariais e promover a igualdade de gênero faz parte da agenda. No entanto, acredito que a promoção de mulheres para cargos de liderança deve ser feita com base em meritocracia, ou seja, as escolhas precisam refletir competência e preparo, não apenas para preencher cotas. 

DCN – Como isso pode ser feito?
Erica – É fundamental que as mulheres sejam treinadas e preparadas para essas posições, garantindo que elas se sintam confiantes e qualificadas. Isso pode envolver programas de aceleração e desenvolvimento que ajudem a prepará-las para os desafios de liderança. Nas startups, acredito que deve haver um esforço consciente para acreditar no potencial das mulheres, muitas vezes subestimadas por suas responsabilidades familiares. Mulheres enfrentam o desafio da maternidade e isso resulta em gestão e resiliência. Por isso, é importante não apenas oferecer oportunidades, mas também apoiar e reconhecer o valor que essas mulheres podem trazer para a liderança.

DCN – A Sororitê acaba de lançar o Sororitê Fund 1, fundo de venture capital de R$ 25 milhões. Fale sobre ele, por favor.
Erica – Evoluímos para um fundo de venture capital, que investe em startups com pelo menos uma mulher na liderança. Nossa missão é garantir que essas empreendedoras recebam o financiamento necessário para avançar nas fases seguintes de captação. Ao chegar nessas etapas, elas já terão demonstrado a relevância de seus projetos e a capacidade de suas equipes, mostrando que são as pessoas certas para liderar o caminho. Esse é o nosso propósito e o que nos move diariamente. Queremos encontrar a próxima Cristina Junqueira, cofundadora do Nubank, e Daniela e Juliana Binatti, cofundadoras da Pismo, vendida para a Visa por US$ 1 bilhão.

DCN – O que a Sororitê busca ao selecionar startups para investir? 
Erica – Para receber investimentos, a startup precisa ter uma base tecnológica e pelo menos uma mulher fundadora. A Sororitê foca em startups que têm potencial de crescimento rápido, principalmente em setores como edtech, fintech, healthtech e agritech. Além disso, olha para o tamanho da dor que a startup está tentando resolver – quanto maior o problema, maior o mercado e o potencial de crescimento. A análise das equipes fundadoras também é essencial, buscando times com habilidades complementares, resiliência e paixão para enfrentar os desafios da jornada empreendedora. Conflitos entre fundadores são uma das principais causas de falência de startups, por isso avaliamos se a equipe está preparada para manter a coesão em momentos difíceis.

DCN – Cite um exemplo de startup liderada por mulheres que recebeu apoio da Sororitê?
Erica – Um exemplo marcante é a Feel, startup focada em desenvolver produtos para a saúde sexual feminina. Quando a startup começou, enfrentou dificuldades em captar investimento de homens, pois muitos investidores não conseguiam entender a dor que a Feel estava resolvendo – um problema especificamente feminino. Isso exemplifica como uma liderança feminina no capital de risco pode fazer diferença, identificando e investindo em negócios que homens, por falta de compreensão, deixariam passar.

DCN – Além de investimento também é preciso uma rede de apoio, não?
Erica –
A Sororitê, além de garantir capital, proporciona apoio a essas startups em áreas que vão além do financeiro. Promovemos também o networking entre mulheres empreendedoras e investidoras, criando uma comunidade de apoio e fortalecimento. A rede já investiu em 17 startups, com a participação de mais de 200 mulheres ao longo dos últimos três anos e meio, incentivando o crescimento de projetos inovadores e diversificados. 

DCN – Quais são os planos futuros da Sororitê?
Erica – Até o final do ano, planejamos realizar dois ou três investimentos que marcarão os primeiros aportes Sororitê Fund 1. A meta é investir em três startups que se encaixam na nossa tese de investimentos. Além disso, estamos focados em concluir a captação do fundo, que tem um valor total de R$ 25 milhões. Atualmente, já captamos 45% desse montante e esperamos fechar o total até julho do próximo ano. Nesse período, estamos gerenciando as duas frentes: tanto a captação dos recursos quanto a realização dos investimentos em startups.

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