SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Funcionários da área de tecnologia do Mercado Livre que estão em home office foram surpreendidos no último mês, quando seus gestores disseram que o modelo presencial se tornaria obrigatório ao menos uma vez por trimestre.
Desde então, reclamações de que eles estão sendo pressionados para voltar ao escritório são recebidas pelo Sindpd/SC (Sindicato dos Trabalhadores em Processamento de Dados de Santa Catarina). A Folha de S.Paulo também ouviu relatos parecidos, todos feitos sob condição de anonimato.
Antes, apenas líderes -gestores com ao menos um outro subordinado- já trabalhavam em regime híbrido, com exigência de 20% da jornada de trabalho de modo presencial, segundo os colaboradores. Na prática, esses gestores vão ao escritório ao menos uma vez por semana há pelo menos um ano.
Com as novas regras, os desenvolvedores (que não têm cargos de gestão e estão subordinados aos líderes) passam a ter de ir a uma das unidades da empresa pelo menos uma vez por trimestre.
Questionado, o Mercado Livre não admite ter feito mudanças nas regras anteriores de trabalho remoto, mas confirma as recomendações que os funcionários ouviram de seus líderes.
“O direcionamento é que todos os líderes da organização trabalhem pelo menos 20% do trimestre presencialmente e garantam que suas equipes tenham ao menos um dia de trabalho presencial no mesmo período”, diz nota da empresa, de 31 de julho.
De acordo com a companhia, o objetivo do encontro presencial é proporcionar conexões e disseminar a cultura interna.
O modelo não se aplica às equipes que atuam presencialmente nas operações logísticas.
Nos últimos anos, a companhia de origem argentina atraiu talentos da área de tecnologia em diferentes regiões do Brasil com a perspectiva de trabalho flexível.
De acordo com o sindicato, a mudança nas regras de presencialidade poderia afetar até 3.500 funcionários.
O principal espaço físico da companhia é o Melicidade (complexo que fica em Osasco, na Grande São Paulo). Outra opção seria o escritório da empresa em Florianópolis.
A apreensão é maior entre os colaboradores que foram contratados para o trabalho remoto, sobretudo durante a pandemia, e vivem no interior ou em outros estados.
“Não são máquinas, são pessoas, cada uma delas aproveitou essa condição de trabalho remoto proposta na época da contratação e foram se instalar em diferentes cidades, construir uma vida lá. E isso não impediu a execução da jornada de trabalho até agora”, resume Ronaldo Gariglio, diretor do Sindpd/SC.
SINDICATO COBRA AJUDA DE CUSTOS COM DESLOCAMENTO
Um ponto que despertou críticas é o fato de a comunicação sobre essas mudanças ter ocorrido por meio de anúncios verbais entre a equipe e seu gestor, sem um comunicado formal.
Segundo o Mercado Livre, esse e outros direcionamentos da empresa são comunicados principalmente pela liderança, permitindo que a mensagem chegue da melhor forma a todas as pessoas.
Para o sindicato, a jornada de trabalho, o home office e outros benefícios que os trabalhadores têm hoje devem ser resguardados via instrumentos de acordo coletivo de trabalho.
A entidade se reuniu com representantes da empresa no dia 24 de julho, para tratar de questões trabalhistas -entre elas, a presença trimestral no escritório, sem cobertura de custos com viagem.
Questionada pela Folha de S.Paulo, a empresa não tratou do reembolso em seu posicionamento.
Na reunião, a companhia também sinalizou, segundo o sindicato, que os líderes foram orientados em 23 de julho a explicar as regras de presencialidade aos subordinados de forma verbal.
Uma nova reunião entre o sindicato e o Mercado Livre ocorreu na quarta-feira (21). Segundo informe da entidade sindical, no entanto, “a empresa não trouxe novos avanços nas propostas, deixando temas sensíveis à categoria em aberto, como o da presencialidade obrigatória”.
A reportagem ouviu de funcionários que a possibilidade de fazer trabalho remoto foi decisiva para que eles buscassem uma vaga na empresa.
Ainda que esses colaboradores reconheçam que a ida ao escritório uma vez por trimestre é uma exigência branda em comparação com o que ocorreu em outras empresas desde o fim da pandemia de Covid-19, eles temem que a medida seja apenas o primeiro passo para um aperto maior no futuro.
Um paralelo recorrente é feito com o movimento de obrigatoriedade de trabalho presencial que ocorreu em grandes empresas de tecnologia no exterior com uma cultura semelhante.
Com o fim da crise sanitária, empresas como Google, Amazon e Zoom passaram a cobrar o retorno ao presencial, alegando que seus funcionários trabalhavam melhor nessa modalidade.
“Caso não tentem construir uma mentalidade moderna, empresas como o Mercado Livre vão perder profissionais para as companhias no exterior que oferecem trabalho remoto aos brasileiros”, avalia o diretor da entidade sindical.
Em março, o Mercado Livre anunciou que planeja investir R$ 23 bilhões no Brasil em 2024, um aumento de 21,1% na comparação com 2023, prevendo uma melhora do varejo.
A maior parte dos investimentos anunciados está concentrada na área de logística, mas a companhia também estuda aportes em tecnologia –incluindo a contratação de novos funcionários.
LEIA A ÍNTEGRA DA NOTA DO MERCADO LIVRE:
“O Mercado Livre mantém uma modalidade de trabalho híbrida para as pessoas das áreas administrativas. O modelo busca captar o melhor do trabalho presencial e remoto, proporcionando máxima flexibilidade às equipes. Este formato, quando comparado às muitas organizações que o adotaram recentemente, oferece uma hiperflexibilidade que se tornou um diferencial da nossa proposta de valor para os colaboradores, e mantém o Mercado Livre como uma das melhores empresas para se trabalhar na América Latina.
Com isso, o direcionamento é que todos os líderes da organização trabalhem pelo menos 20% do trimestre presencialmente e garantam que suas equipes tenham ao menos um dia de trabalho presencial no mesmo período. O objetivo é proporcionar momentos de conexões entre as pessoas, preservar e disseminar nossa cultura e potencializar os resultados de negócios por meio de dinâmicas de trabalho efetivas. Esse modelo de trabalho não se aplica às equipes que atuam presencialmente em nossas operações logísticas.
Este e demais direcionamentos da empresa são comunicados principalmente pela liderança, permitindo que a mensagem chegue da melhor forma a todas as pessoas. Também contamos com canais online, horizontais e colaborativos, nos quais as principais mensagens e informações organizacionais são reforçadas, garantindo assim uma comunicação fluida e constante com toda a equipe do Mercado Livre.”