Há anos em crise, Líbano vê situação piorar sob espectro de nova invasão de Israel

Uma image de notas de 20 reais

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Foram cerca de US$ 4 bilhões (R$ 22 bi, em valores da época) de danos à infraestrutura e mais US$ 3,5 bi (R$ 19,7 bi) em declínio da atividade econômica após a explosão no porto de Beirute, em agosto de 2020. Aquele, no entanto, era só mais um entre os dramáticos episódios da crise que afeta o Líbano ao menos desde 2019 de modo mais agudo.

A origem da derrocada econômica do país, que vive hoje com problemas de fornecimento de energia, inflação galopante, derretimento da moeda local e o espectro de uma invasão militar israelense remonta ao período após o fim de sua guerra civil (1975-1990).

Além das memórias de violência, o conflito interno com períodos de ocupação israelense e síria deixou como legado uma conturbada e ineficaz reconstrução do país.

Os anos que se seguiram ao fim do conflito tiveram aumento da dívida pública e da relação entre a dívida e PIB, que permaneceu alta desde então.

Com os principais setores da economia estagnados e baixo crescimento, despesas altas com o funcionalismo e subsídios de energia, o governo passou a se financiar via aumento de juros para atrair dólares.

A partir de outubro de 2019 o insustentável sistema não resistiu. O anúncio de um novo imposto para o uso do WhatsApp representou o gatilho que levou milhares de libaneses às ruas, de forma semelhante ao que significou os 20 centavos no aumento da passagem para o Brasil em junho de 2013.

Protestos contra um governo fraco e o sistema político de modo geral, em meio à decadência econômica, aprofundaram o cenário de instabilidade que resultou na grave crise financeira cujos efeitos vemos até hoje, atingindo bancos e desvalorizando a libra libanesa. Poucos meses depois, em março de 2020, o país anunciou calote de sua dívida pública.

Para piorar, a pandemia da Covid-19 desorganizou mercados e gerou impacto profundo em uma economia majoritariamente de serviços e com grande participação do turismo.

Em agosto de 2020, menos de um ano depois dos protestos e durante a pandemia, a explosão de um tanque com nitrato de amônia no porto de Beirute matou ao menos 220 pessoas e feriu outras milhares —além dos bilhões de dólares em danos e depreciação da atividade econômica local.

Os efeitos atuais de ao menos cinco anos de grave crise são evidentes no país. Segundo o Banco Mundial, a pobreza atinge 44% da população libanesa, e a inflação cresceu mais de 230% em 2023.

A dívida pública, que caiu de US$ 88,9 bilhões em 2019 para US$ 32,9 bilhões em 2023, não conta a história real: a relação entre dívida e PIB cresceu, de 172% naquele ano para 181% no ano passado.

Havia no ano passado, por outro lado, alguns poucos sinais de que o Líbano pudesse começar a se recuperar do buraco. Relatório da Unctad, a agência da ONU para comércio e desenvolvimento, registrou aumento de 25% de investimento estrangeiro direto no país de 2022 para 2023. Um possível sinal da força da diáspora libanesa, que tem também aumentado em meio à crise.

Havia, porque a expansão da guerra em Gaza para o país, com ataques de Israel a posições do Hezbollah no sul e em Beirute, cria um novo, apesar de esperado, elemento de instabilidade.

“Estamos monitorando com grande preocupação a escalada do conflito na região”, disse um porta-voz do FMI (Fundo Monetário Internacional). “O conflito atual causa um pesado custo humano, danificando a infraestrutura no sul do Líbano e exacerbando a já frágil situação macroeconômica e social do Líbano.”

Já são cerca de 211 mil deslocados internos no país, embora este número represente apenas os que foram registrados em abrigos, segundo a OIM (Organização Internacional para as Migrações). O número real ultrapassaria 1 milhão de pessoas, de acordo com autoridades libanesas, em estimativa baseada em episódios semelhantes como a guerra de 2006 entre Israel e Hezbollah.

A praça dos Mártires, na capital libanesa, é um dos espelhos deste movimento. Desde a amplificação da crise entre o grupo xiita apoiado pelo Irã e Tel Aviv, o local, central nos protestos de 2019, é lar de famílias que fogem do subúrbio de Dahiyeh, no sul da capital, onde o então líder da facção, Hassan Nasrallah, foi morto por um bombardeio israelense na sexta (27).

Outros buscam se refugiar em clubes que abrem suas portas e abrigos, mas não encontram vagas. “Nós gastamos mais de três horas andando em círculos entre escolas e abrigos, mas não achamos lugar”, disse à Associated Press Talal Ahmad Jassaf, que dormiu com a família em uma praia após deixar sua casa.

Jassaf cogita, inclusive, buscar a relativa segurança da Síria, país vizinho cujos refugiados de sua própria guerra civil povoam o Líbano aos milhares. Cerca de 100 mil pessoas, 60 mil delas sírias, cruzaram a fronteira de volta ao país de origem por conta da crise atual libanesa, de acordo com o Acnur, a agência da ONU para refugiados.

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