[AGÊNCIA DC NEWS]. Emiliano Di Cavalcanti completou 58 anos em 1955. Naquele ano, quando a cidade de São Paulo se verticalizava e crescia rapidamente em população – iria de 2,1 milhões, em 1950, para 3,7 milhões em 1960, 70% a mais -, o artista plástico deixava suas marcas em edifícios no Centro paulistano. São painéis que podem ser vistos até hoje, mas nem sempre em boas condições. Talvez o caso mais emblemático seja o do Edifício Triângulo, que há anos ostenta um Di Cavalcanti (1897-1976) deteriorado em sua entrada, entre uma loja de informática e outra de bolos, no calçadão. O projeto tem a assinatura de Oscar Niemeyer (1907-2012). Ambos comunistas.
O Edifício Triângulo foi inaugurado em agosto de 1955, um “acontecimento marcante na vida da cidade”, conforme afirmou na época o jornal Folha de S.Paulo. Fica na rua José Bonifácio, junto às ruas Direita e Quintino Bocaiúva, no Centro Histórico. São 18 andares, com os dois últimos recuados, seguindo determinação da prefeitura à época. Nem todos os conjuntos estão ocupados, ainda reflexo da pandemia. Mas aos poucos a atividade está voltando – com predominância de escritórios de advocacia. Os elevadores estão sendo trocados. Por enquanto, só um dos três funciona. Na entrada – à qual se chega descendo alguns degraus –, sem nenhuma indicação, placa ou sinalização, o painel de Di Cavalcanti mostra trabalhadores em ação. Parte das pastilhas se foi, e algumas foram substituídas por outro material (porcelana em vez de vidrotil) e outra cor. Até o nome do artista, mais próximo do asfalto, sofre com a degradação.
No topo do Triângulo, mora um defensor da restauração do painel. É Everaldo Santos, o zelador, que está no prédio há quase 27 anos – tem 55 e chegou a São Paulo aos 12, vindo da Paraíba. Nesse tempo todo, já viu e recebeu várias pessoas que se apresentaram como interessadas em consertar os estragos. “Alguns pretensos restauradores apareceram. Interessados não faltam”, afirmou Everaldo, que guarda uma volumosa pasta com recortes e documentos sobre o edifício, que fará 70 anos em 2025. No começo, ele mesmo estranhou ao pôr os pés ali pela primeira vez. Pensou: “Que esquisito esse prédio…” Agora, além de defensor da arquitetura e das colunas que atravessam os andares, é o único morador, com alguns cachorros.
PROJETO – Para a restauradora Isabel Ruas, criadora da Oficina de Mosaicos, sem apoio da comunidade será difícil garantir que o painel de Di Cavalcanti no Triângulo seja de fato restaurado. “Nos entregamos um projeto em 2017 ao Conpresp [Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo], mas não conseguimos financiadores”, afirmou Isabel. Bem antes, em 2004, após um processo que durou 14 anos, o Conpresp havia aprovado o tombamento das “partes externas do térreo onde se situam os painéis de Di Cavalcanti e as dependências internas que levam ao hall do subsolo e o próprio hall do Edifício Triângulo”. Ainda segundo a Resolução 04/2004, devem ser mantidas “as características gerais externas, permanecendo as linhas arquitetônicas externas, estrutura, vãos e revestimentos”. Qualquer intervenção precisa ser autorizada pelo conselho municipal.
Segundo a Secretaria Municipal de Cultura (SMC), o Departamento do Patrimônio Histórico (DPH) não identificou projetos em andamento para a fachada do Edifício Triângulo. “A pasta ressalta que o edifício em questão é de propriedade particular, portanto compete ao proprietário a conservação e preservação do bem, inclusive dos elementos artísticos integrados.” Além do restauro do mosaico, o projeto apresentado em 2017 previa outras intervenções. Conforme diz Isabel, as calhas estão fixas, parafusadas sobre o mosaico. “Isso já deturpa a obra.” As medidas incluíam ainda nova porta e iluminação. “A ideia toda é dar visibilidade àquela obra e ter o reconhecimento da comunidade.”
Na apresentação do projeto, ela citou a chamada Teoria das Janelas Quebradas: Degradação Leva a Mais Degradação: “A obra descuidada, que sofreu um restauro mal feito e intervenções pouco cuidadosas feitas pelo condomínio, como o ‘remendo’ do mosaico com pastilhas de outro material e a instalação de uma porta de correr, em ferro, sobre o mosaico, com parede coberta por conduítes aparentes improvisados e corrimãos que deturpam a arquitetura, levou a que a obra de Di se tornasse alvo de mais vandalismos.” Não foram poucas as pichações feitas naquelas paredes. Além disso, no meio da poluição visual do Centro, o painel tornou-se invisível até para moradores.
Há mais um mural de Di Cavalcanti em edifício na região central, em razoável estado de preservação, no prédio que hoje abriga o Hotel Nacional Inn Jaraguá, na rua Martins Fontes, 71, que tem fundos na Major Quedinho. Inaugurado em 1954, o local já foi sede dos jornais O Estado de S.Paulo e Diário Popular. O painel faz homenagem à imprensa. Mais sorte teve outra obra de Di Cavalcanti, o painel do Teatro Cultura Artística, que escapou do incêndio de 2008. Somente neste ano o espaço foi reaberto. Um destino bem diferente do que acontece com a obra do Edifício Triângulo. No painel do Cultura Artística, houve empenho geral para obter o financiamento. “Todas as semanas, o nosso grupo dava uma palestra para os interessados em acompanhar o restauro. Havia inúmeros interessados”, afirmou Isabel, que participou do processo de restauro. O objetivo é fazer o mesmo com o Triângulo. Agora, ela pensa em apresentar talvez um projeto mais simples, concentrado no mosaico, deixando outras etapas – porta, corrimão, luz – para mais adiante.