Portuga: mais de 1 mil itens e projeto para memorabilia de Sérgio Malandro e Bozo (Andre Lessa / Agência DC News)

Super Anos 80 chega à idade adulta com acervo de 1 mil itens e é um túnel do tempo no Cambuci

  • Loja localizada na garagem de Portuga é abrigo de uma coleção de mais de 1 mil itens e uma viagem no tempo no Cambuci
  • Consolidado entre os geeks de São Paulo, plano é expandir o acervo e construir um museu, além de oferecer itens raros, importados sob demanda dos consumidores
Por Victor Marques 16 de Junho, 2025 - 16:04
Atualizada às 16 de Junho, 2025 - 16:07

[AGÊNCIA DC NEWS]. Você está se preparando para sair com os amigos. Escolhe entre Legião Urbana, Michael Jackson ou Cyndi Lauper e pega uma fita para levar junto ao seu walkman. Ao fundo, Take on Me, do a-ha, toca em alto volume no toca-discos. No quarto ao lado, em uma televisão de tubo de 20 polegadas, seu irmão alterna entre Asteroids e Ms. Pac-Man em seu Atari 7800. Perto da hora de sair, você coloca seu par de tênis All Star, pega sua jaqueta jeans surrada e entra em seu Chevette em direção a sua danceteria favorita. Esse é um dos muitos recortes da vida de um jovem nos anos 1980. Uma época que muitos gostariam de reviver. No bairro do Cambuci, em São Paulo, parte disso é possível.

Delfim Carvalho Gonçalves, ou Portuga, já imaginava esse saudosismo. Desde a compra do seu primeiro Atari, no Natal de 1986, ele coleciona itens de época como brinquedos, videogames, roupas, objetos de decoração, itens de áudio, entre outros. Atualmente, aos 52 anos, continua a colecionar e a ajudar qualquer um que queira reviver seu passado na loja Super Anos 80. “A Super Anos 80 é você fazer uma viagem no fundo do tempo, à melhor fase da sua vida”, disse. Localizada na garagem de sua casa, é abrigo de uma coleção avaliada em R$ 650 mil e mais de 1 mil itens que atrai a atenção até mesmo do mundo cinematográfico, em produções de época.

Portuga conta que teve uma infância pobre. Nasceu na capital paulista, no bairro do Cambuci, e já começou a trabalhar aos 12 anos para poder ajudar a mãe. Os irmãos também trabalhavam. “A gente tinha muita vontade de ter as coisas, mas naquela época era tudo muito caro”, afirmou. Aos 12, em meados da década de 80, a hiperinflação destruía o poder de compra do brasileiro. Mesmo assim, trabalhando de office boy, resolveu realizar o sonho de comprar seu primeiro videogame, um Atari. Foi ao Mappin em frente ao Theatro Municipal fazer a compra. O Mappin um verdadeiro templo varejista da época, onde as pessoas também iam simplesmente para passear e criar listas de desejos. A rede acabou encerrando as atividades em 1999, mas a marca foi comprada em 2009 pelo grupo Marabraz e voltou a funcionar no e-commerce em 2019.

CREDIÁRIO – Foi no Mappin também que o paulistano Portuga fez seu primeiro crediário. “Levei três holerites, carteira profissional, telefone de contato, CPF, RG e levei umas cinco horas para fazer o crediário.” Ao fim do processo, o vendedor chegou com uma sacola com o Atari, mais três jogos e a cartela do carnê de 12 parcelas. “Ele ainda fez uma pegadinha comigo. Disse que seu eu atrasasse ele ia buscar o Atari na minha casa.” Portuga ficou tão ansioso para jogar que nem lembrou de pegar o ônibus. “Vim embora a pé.” A caminhada dura por volta de uma hora, segundo o Google Maps. Ele não atrasou nenhuma parcela.

No começo minha mulher me perguntava se eu não estava perdendo muito tempo vendendo, porque as pessoas vinham e contavam suas histórias. Falei para ela que eu tinha que ouvir a história dele para vender

Portuga, Super Anos 80

Portuga e seus irmãos fizeram um acordo. “A gente tinha que comprar um jogo todo mês”, disse. “Uns R$ 300 em dinheiro de hoje.” Nos anos 90, começaram a aparecer novos consoles de videogames, como Super Nintendo, Mega Drive e Playstation. Com as novidades no mercado, Portuga enxergou uma oportunidade. “Eu ia às lojas e elas estavam jogando coisas antigas no lixo”, afirmou. “Tinha Telejogo, Autorama, vinil, CDs de monte no lixo ou a preços muito baixos.” Foi a partir disso que começou a coleção. E foi o que ele fez o restante da sua vida: ficava de olho nos lançamentos para comprar os itens antigos em menor preço. Tudo era guardado no forro da casa de sua mãe.

A história como vendedor começou em 1999, quando Portuga tinha 26 anos. Marina, sua irmã, trabalhava na Renault e o chamou para ser vendedor de consórcio. Nos dois primeiros dias, nada. A partir do terceiro o cenário virou. “Comecei a tirar carro atrás de carro. Fui oito meses líder de vendas”, afirmou. Para se especializar, foi fazer um curso. Ele lembra que um dos professores repetia que era preciso observar o que a pessoa estava olhando. “Ver se o olho está brilhando. Essa é a hora em que você vai vender.”

É esse mesmo mantra que ele aplica nas vendas da Super Anos 80. “No começo minha mulher me perguntava se eu não estava perdendo muito tempo vendendo, porque as pessoas vinham e contavam suas histórias”, disse. “Falei para ela que eu tinha que ouvir a história dele para vender.” Portuga diz que o cliente está comprando a realização de um sonho, quer lembrar da mãe, do pai. Com essa abordagem, ele se gaba do histórico de clientes. “Todos que compram comigo continuam comprando e não compram em outro lugar.”

A vida de empreendedor começou em 2003. Formou-se em gastronomia na UniSant’Anna e abriu a lanchonete Casa do Portuga na rua Heitor Peixoto 555, na casa da mãe. Durou somente um ano. “Tinha cinco empresas de telemarketing na frente. Comecei a ter muito problema porque algumas pessoas ficaram me devendo”, disse. Em paralelo, desde 2004 Portuga fazia postagens no Orkut e, posteriormente no Facebook, dos itens que colecionava. “A primeira foi o Forte Apache. Branco. De madeira.” Ele percebeu a boa recepção das pessoas e criou o hábito de postar. Naquele ano, nasceu a filha, Giovanna, e resolveu vender tudo da lanchonete e abrir a loja. Sua mulher, Denise, não gostou da ideia. “Ela me disse que eu era louco.” Mas ele acreditou no negócio.

Na época, segundo Portuga, a coleção somava aproximadamente 500 videogames, 400 fitas, bacias cheias de jogos de Playstation e muitos outros itens. Assim, ele criou uma rotina: rodava a cidade em brechós, casas de doação e lojas para garimpar os itens e repor os colecionáveis vendidos na loja. E as coisas começaram a dar certo. Segundo ele, a necessidade de colecionar é uma maneira de preservar sua história, mas não só. É também uma forma de ajudar as pessoas a relembrarem momentos importantes. “Me sinto um historiador. Um cara que gosta de preservar lembranças e momentos.” 

EVENTOS – Atualmente, sua página no Facebook tem 18 mil seguidores. No Instagram, 22 mil. Para construir no mundo físico o status que já tinha na web, uma das estratégias foram os eventos. Começou com churrascos na calçada da lojinha, que depois viraram grandes campeonatos de videogames antigos. O sucesso o levou, em 2019, a mudar-se para uma nova casa, ainda no Cambuci. Abriu uma hamburgueria – American Burguer Super Anos 80 – com o foco de mostrar e vender itens de época. Juntou as suas duas paixões. Os itens de colecionador e cozinhar. Ela funcionou até meados de 2022, quando houve um problema com o locador. “Tenho tudo guardado ainda.”

A gigante coleção de época hoje reside na Heitor Peixoto, 361, ainda no Cambuci. É lá que ele passa o dia escutando e contando histórias dos anos 70, 80 e 90 dos brinquedos da loja. Segundo Portuga, o faturamento é bom, mas apenas o suficiente para viver e manter o negócio. Como diz, nada que deixe alguém rico. “Eu tiro uns R$ 12 mil e costumo separar uns 3 mil para repor os itens da loja”, afirmou. O faturamento médio anual de quase R$ 150 mil envolve a venda de itens, locações para aniversário, assistência técnica de videogames antigos, o empréstimo para comerciais e produções cinematográficas e os eventos. As vendas são feitas na loja física e também, em grande parte, por meio de marketplaces como OLX e Mercado Livre. O atendimento de clientes internacionais também faz parte da rotina. Um brasileiro que mora nos Estados Unidos pediu ajuda para conseguir um Xbox One de edição especial comemorativa do Palmeiras. Só foram produzidas 101 unidades. A negociação ficou em R$ 25 mil, mais o preço da intermediação, de R$ 3 mil.

Outra grande fonte de receita são os empréstimos de itens para comerciais e filmes. Nos comerciais, Portuga já trabalhou com a Antártica, a marca de roupas MDC, com a Shell e muitas outras que desejam reviver por meio das telas os tempos antigos. No cinema, foram emprestados mais de 65 itens para a produção do filme do Silvio Santos. “É bom para a receita da loja e também valoriza os itens depois que eles aparecem nos comerciais”, afirmou. “Tenho itens que valorizaram mais de 30% depois de aparecerem na TV.” O próximo projeto é com itens do Ayrton Senna.

Para o futuro, Portuga pode considerar um de seus filhos para assumir o negócio. O mais novo, Gabriel, de 17 anos, ajuda os pais na loja diariamente. “O Gabriel é pirado”, disse. “Acredito que ele pode assumir um dia.” Já a mais velha, Giovanna, de 21 anos, não é muito fã dos games, nem da ideia de assumir o local. Enquanto a hora não chega, o empreendedor e torcedor da Lusa quer montar um museu. O objetivo do novo projeto é juntar itens históricos ligados a artistas para exposição. “Já juntamos alguns do Sérgio Malandro, do Bozo, do Jaspion…” O projeto ainda não tem nome e nem data para ser lançado. Nas mãos de um colecionador aficionado, a Super Anos 80 é um reduto único para quem quer reviver, ou até conhecer, outras épocas.