SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Após a crise escancarada nesta semana entre o prefeito Ricardo Nunes (MDB) e a família Bolsonaro, que acaba privilegiando Pablo Marçal (PRTB) na eleição paulistana, a equipe emedebista busca aparar arestas com o ex-presidente e trazê-lo para a campanha, mas já admite disputar apenas uma parte do eleitorado bolsonarista a que não foi capturada pelo influenciador de direita.
Na véspera da estreia da campanha, Nunes se reuniu, na noite de quinta-feira (15), com o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), seu aliado e fiel escudeiro de Bolsonaro, no Palácio dos Bandeirantes, para recalcular a rota. Também participaram o marqueteiro da campanha de Nunes, Duda Lima, e o deputado bolsonarista Nikolas Ferreira (PL-MG).
Há pressão para que Nunes embarque de vez na agenda ideológica bolsonarista e parta para o embate com Guilherme Boulos (PSOL), frentes que Marçal tem dominado. A cobrança ao prefeito bem como acenos ao influenciador foram expostos em declarações do próprio Bolsonaro e de Eduardo Bolsonaro (PL-SP).
Em entrevista nesta quinta à Rádio 96 FM, de Natal, o ex-presidente disse que Nunes não é “seu candidato dos sonhos” e elogiou o que chamou de “figura nova do Pablo Marçal”.
“Fala muito bem, uma pessoa inteligente, tem suas virtudes. Não tem experiência, mas faz parte.”
Nesta sexta-feira (16), após contatos do entorno de Nunes com a família Bolsonaro, o ex-presidente afirmou que manterá seu apoio à reeleição de Nunes ainda que atitudes recentes do prefeito tenham causado desconforto, como noticiou a coluna Painel.
No primeiro dia da campanha oficial, o prefeito acusou o golpe ao mirar em Marçal e disparar críticas ao ex-coach nesta sexta. Também reiterou seu compromisso com pautas conservadoras, como a oposição ao aborto e à legalização das drogas.
Nunes disse à imprensa que “não tem outro M para a cidade que não o M da verdade” e que melhor que rede social é ação social.
Sobre Bolsonaro ter dito que ele não é seu candidato dos sonhos, o prefeito afirmou que “não estamos vivendo de sonho, mas de realidade” e que “vender sonho é para outro candidato”.
Nunes disse ainda que o ex-presidente é bem-vindo em sua campanha. “Não existe isso de esconder [o Bolsonaro]”, afirmou, sem deixar de ressaltar que “a polarização não faz bem” e que é preciso “falar da cidade”.
Quem acompanhou o encontro no Palácio dos Bandeirantes afirma que houve troca de ideias e diagnósticos sobre a disputa eleitoral enquanto comiam pizza, numa conversa tranquila e colaborativa. Há relatos, porém, de que Duda Lima, que foi o marqueteiro de Bolsonaro em 2022, foi cobrado pela relação ruim com o bolsonarismo.
Um aliado de Bolsonaro afirmou à reportagem que Nunes deve mudar a orientação da sua campanha, que tem priorizado apresentar entregas da gestão e fugir da polarização nacional –ou o voto bolsonarista vai migrar em massa para Marçal.
O influenciador foi de 7% para 14% nas pesquisas Datafolha desde maio. Nunes marca 23%.
Auxiliares do prefeito têm conversado com a família Bolsonaro para tentar baixar a pressão. A ideia é trazer o ex-presidente para agendas de rua com Nunes. Até agora, Bolsonaro não teve protagonismo na campanha do MDB apareceu como um apoiador em uma frente de 12 partidos.
O freio de arrumação inclui aproximar Nunes também de youtubers e influenciadores bolsonaristas.
Na tarde desta sexta, Nunes afirmou que seu vice, o bolsonarista Ricardo Mello Araújo, e ele próprio haviam entrado em contato com os Bolsonaros e que a questão estava resolvida.
“Achei estranho ele [Bolsonaro] falar bem de alguém [Marçal] que falou mal dele e do filho dele, mas fora isso está tudo tranquilo, o coronel Mello esteve com ele, esteve com o Eduardo, falei com a Michelle [Bolsonaro]”, disse Nunes.
“A gente está unido. Às vezes dá um ruidinho aqui, outro ali, por [questão de] interpretação. O que ele nos disse é que foi mal-interpretado e que ele é 100% com a gente. Isso é palavra do presidente Bolsonaro”, completou.
Mesmo que Bolsonaro mergulhe de vez na reeleição de Nunes, a leitura de emedebistas é a de que a tensão com o bolsonarismo será frequente, já que Nunes, apesar de conservador, não cabe perfeitamente no figurino extremista nem gostaria de adotá-lo.
Os gestos do prefeito ao aliado, dizem eles, será no campo da política e não do espetáculo.
Entre os argumentos dos emedebistas para trazer Bolsonaro de volta ao barco está a avaliação de que Marçal, na verdade, compete com o ex-presidente e quer tomar seu espaço político. A expectativa é a de que Bolsonaro perceba que prejudica a si próprio ao dar força ao candidato do PRTB em vez de Nunes.
Quem integra a campanha do prefeito afirma que Marçal levou por água abaixo o trabalho no início do ano para unificar a direita em torno de Nunes e evitar que o PL lançasse um bolsonarista raiz o nome cogitado era Ricardo Salles.
Como a crise aconteceu no início da campanha, emedebistas afirmam ainda que há tempo para reverter o quadro, mas admitem que um fogo amigo bolsonarista na reta final seria fatal.
Em relação a Marçal, a expectativa de integrantes da campanha de Nunes é a de que haja uma resposta coordenada da política tradicional à falta de comprometimento do influenciador com as regras do jogo, por ele ser agressivo nos debates e espalhar fake news.
Eles avaliam que o candidato do PRTB tem fragilidades a serem exploradas, como processos judiciais e a briga interna no seu partido há duas ações eleitorais contra ele, movidas por Boulos e o PSB, de Tabata Amaral.
O movimento conjunto, porém, é cogitado com cautela, já que, se falhar, iria apenas fortalecer Marçal como o candidato antissistema.
Coordenadores das campanhas de Nunes, Boulos, Tabata e José Luiz Datena (PSDB) estudam se devem ou não participar de todos os debates diante das agressões de Marçal. Também cobram dos organizadores compromisso com regras e com direito de resposta em caso de afirmações falsas.
Ainda nesta sexta, Nunes comentou as iniciativas para tornar o clima menos belicoso. “Pedi para o pessoal da minha campanha conversar com o pessoal das outras campanhas para a gente ter uma campanha de nível. São muitas coisas que estão sendo faladas que não são verdade, propostas inexequíveis, falta de respeito com as pessoas.”
A crise teve início a partir da insatisfação do bolsonarismo com um vídeo do prefeito em apoio a Joice Hasselmann (Podemos) como candidata a vereadora eleita em 2018 na onda bolsonarista, ela rompeu com o grupo e é considerada traidora.
“É inacreditável como Nunes cava a própria sepultura. Como pode apoiar a maior traidora do bolsonarismo? Ele tem o apoio do PL, mas erra nos acenos, nesta coisa de se mostrar ao centro. É nesse vácuo que o Pablo Marçal tem crescido, por se alinhar com o eleitorado fiel aos nossos valores. Falta diálogo conosco. [ ] Quero ver o Nunes falando contra o aborto, contra a ideologia de gênero e sobre as perseguições que sofremos pelo Brasil”, afirmou Eduardo Bolsonaro ao Globo na quarta (14).