SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Tragédias ambientais podem ajudar prefeitos a se reeleger caso ocorram em ano eleitoral e atrapalhar caso aconteçam antes. Elas também tendem a dar origem a um padrão de discursos no debate político.
As constatações são de estudos recentes da ciência política. Com as mudanças climáticas, pesquisadores da área têm se debruçado cada vez mais sobre efeitos das grandes enchentes, deslizamentos e estiagens prolongadas na escolha dos eleitores.
Em sua pesquisa, Ítalo Soares, doutor pela Escola de Administração de Empresas de São Paulo da FGV, usou métodos estatísticos para medir o impacto da ocorrência de desastres sobre a chance de reeleição de prefeitos no pleito de 2016.
Observou que, quando uma estiagem, seca ou enxurrada ocorre fora do período eleitoral, há um impacto negativo nas chances de recondução do gestor.
Episódios de seca ocorridos em 2013, por exemplo, reduziram essa probabilidade em cerca de 64%. Enxurradas em 2015 afetaram negativamente em 98%.
A diferença da dimensão desse efeito, avalia, deve-se ao nível de politização relacionado aos diferentes tipos de desastre. “O impacto maior das enxurradas é o dano direto ao patrimônio, ao contrário da seca, que, mesmo impactando diretamente a economia e o bem-estar, tem relação mais difusa com a propriedade privada e a infraestrutura”, diz na tese de doutorado.
O resultado mais surpreendente que ele encontrou, porém, é o resultado dos desastres ocorridos em 2016, ano do pleito municipal: eles tiveram um impacto positivo de 447% na chance de reeleição dos prefeitos.
O pesquisador acredita que a ocorrência de eventos climáticos perto das eleições pode dar projeção a uma imagem de liderança. Além disso, o gestor acaba por se beneficiar do recebimento de verbas e benefícios para o município.
Ele explica que a Lei de Responsabilidade Fiscal permite adiar o pagamento de dívidas, e a Lei de Licitações também dispensa a concorrência para situações conectadas a casos de calamidade pública. O governo federal ainda pode ceder crédito extraordinário.
“É um dinheiro rápido que chega na mão do gestor, que pode implementar medidas com folga orçamentária. Acaba se tornando um recurso político”, afirma.
A pesquisa também concluiu que a relação eleitoral tem mais peso em municípios com até 50 mil habitantes.
Cidades menores são mais facilmente afetadas como um todo por um desastre. Em localidades maiores, o distúrbio pode não inviabilizar o funcionamento geral do município, e o peso da tragédia no voto é diluído ao ser confrontado com outras questões.
DISPUTAS DISCURSIVAS NO PÓS DESASTRE
A disputa de narrativas é um outro efeito verificado nos municípios quando há eventos climáticos. Nesses casos, especialmente em cidades menores, há uma divisão clara entre situação e oposição.
Em seu mestrado em ciência política pela USP, Luiz Antonio Soares notou que essa divisão ocorre principalmente entre as famílias de maior tradição política, que podem transitar entre partidos, mas mantêm um eleitorado fiel.
“Quem é a favor do gestor defende que o desastre é natural, e as consequências, imprevisíveis. Já a oposição diz que os efeitos eram previsíveis e deveriam ter sido prevenidos”, afirma.
A ênfase da oposição na ausência ou insuficiência de medidas preventivas foi vista também no Rio Grande do Sul, onde as chuvas deixaram mais de 180 mortos, inundaram casas e inviabilizaram o funcionamento de grandes áreas urbanas, como a capital Porto Alegre.
Embora tenha sido alvo de críticas durante o período mais crítico, o prefeito Sebastião Melo (MDB) lidera a corrida eleitoral com 41% das intenções de voto, segundo pesquisa Quaest divulgada na terça-feira (17). Maria do Rosário (PT) aparece com 24%, e Juliana Brizola (PDT), com 17%. A margem de erro é de três pontos.
A polarização política que envolve a extrema direita também encontrou eco no estado em razão da tragédia, com discursos que minimizavam o papel do poder público nos resgates e na ajuda às vítimas.
“Diziam ‘nós por nós’, mandavam políticos saírem de cena e garantiam que cuidariam de segurança, do fluxo de suprimentos”, diz Ítalo Soares, da FGV. “Esse tipo de movimentação gera aprendizado, e essas redes formadas nesse contexto vão ser usadas depois para mobilizar e eleger pessoas radicais”, complementa.
Fabricio Pontin, professor de Direito e Relações Internacionais na Universidade La Salle, em Canoas (RS), também vê o ganho de espaço por influenciadores, que cresceram “capturando a imaginação da população” — à época, diversas contas divulgaram notícias falsas, como supostas ações do governo impedindo o resgate de pessoas por barcos e jetskis cujos motoristas não tinham habilitação.
Durante as enchentes, parte das publicações afirmava que o enfrentamento estaria sendo feito apenas por civis. Entre as mensagens com maior alcance esteve vídeo publicado pelo influenciador e atual candidato à prefeitura de São Paulo Pablo Marçal (PRTB).
Ele afirmava que caminhões com doações teriam sido barrados pela Secretaria da Fazenda do Rio Grande do Sul por falta de notas fiscais, e que os motoristas de embarcações sem habilitação estavam sendo impedidos de resgatar pessoas ilhadas pelas águas.
As falsas informações foram desmentidas à época pelo governo do estado, e Marçal foi um dos perfis citados em ofício da Secom (Secretaria de Comunicação Social da Presidência) pedindo providências do Ministério da Justiça para apuração de “ilícitos ou eventuais crimes relacionados à disseminação de desinformação” no contexto da tragédia.