SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) tornou públicos, indevidamente, dados pessoais como número de CPF, orientação sexual e identidade de gênero de candidatos que escolheram não divulgar essa informação. O problema foi corrigido na quarta-feira (28) após apontamento da Folha de S.Paulo.
A reportagem pediu um posicionamento oficial do tribunal sobre a falha desde a terça-feira (20), mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.
A falha estava relacionada a uma exposição dos dados, não se tratava de uma brecha para que outras pessoas pudessem manipular as informações.
Embora não apareça no site Divulgacand que reúne informações sobre candidaturas e contas, os dados ficaram visíveis na API pública do TSE por cerca de um mês. A API (Interface de Programação de Aplicações) permite que diferentes programas de computador se conectem, e é utilizada por pesquisadores, jornalistas e membros da sociedade civil para análise de dados.
A falha contraria a resolução de fevereiro da presidente do TSE, Cármen Lúcia, que estipula as regras para as eleições municipais de 2024.
Diferentemente das eleições passadas, a atual resolução determina que o CPF do registro de candidatura é sigiloso. A decisão é contestada por entidades que defendem transparência em dados públicos.
Já a possibilidade de informação sobre identidade de gênero e orientação sexual é novidade neste pleito e atende a uma demanda de movimentos LGBTQIA+ por estatísticas oficiais na política. Esse preenchimento não é obrigatório. Ao menos 70 candidaturas tiveram a informação exposta na API do TSE sem o consentimento dos candidatos.
Para o advogado Bruno Bioni, diretor do Data Privacy, a LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais) não pode ser usada como justificativa para a inclusão do CPF na categoria de dados sigilosos.
“O CPF é usado para cumprimento de uma obrigação legal, que é dar transparência e possibilitar o controle social dessas candidaturas. É um dado chave para cruzamento com outros bancos de dados. Para a verificação, por exemplo, de candidaturas laranja”, diz Bioni.
A Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) também se posicionou contra o sigilo imposto sobre o CPF.
“Há um enorme prejuízo para o controle social, e especialmente para a produção de reportagens bem embasadas. A organização entende que o CPF é um dado cadastral, reconhecido assim por bases de dados de órgãos públicos e pela própria Receita Federal e que, por isso, não deveria ser enquadrado como dado privado. Dezenas de fraudes já foram identificadas a partir desses dados”, diz posicionamento da associação.
A avaliação dos especialistas é diferente em relação aos dados de identidade de gênero e de orientação sexual, que podem ser enquadrados como dados sensíveis segundo a LGPD.
A lei define como dados sensíveis os relacionados à origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico.
Os dados de gênero e origem racial de políticos têm divulgação obrigatória porque embasam políticas afirmativas de cotas para destinação de verbas pelos partidos, segundo Bioni. Já os dados de sexualidade ainda não se enquadram nesta categoria.
“Há uma violação potencial dupla da LGPD. Primeiro, da perspectiva de segurança da informação. Também, porque os titulares expressamente assinalaram que não queriam que os dados fossem publicados”, diz.
O TSE tornou-se um dos alvos da extrema direita nos últimos anos, que tentou promover uma onda de desconfiança sobre a segurança do órgão, especificamente acerca do sistema eleitoral, que tem se provado seguro e não tem relação com o caso apontado pela Folha.
REPRESENTATIVIDADE LGBT+
Nestas eleições, 967 candidatos puderam pela primeira vez informar ser transgênero, ou seja, não se identificam com o gênero designado no nascimento. Já 2.420 candidatos disseram ser gay, lésbica, bissexual ou pansexual.
Mas quase 70% do total de 459 mil candidatos decidiu não informar dados sobre identidade de gênero e sexualidade. Segundo levantamento feito pela Folha de S.Paulo, ao menos 70 candidaturas LGBT+ tiveram a informação exposta indevidamente na API do TSE.
A oficialização pelo TSE da possibilidade de inclusão de identidade de gênero e orientação sexual no cadastro dos candidatos é vista como um avanço pela comunidade LGBTQIA+. Ativistas apontam que a falta de dados oficiais dificulta a criação de regras que incentivem a representatividade nos espaços de poder, como distribuição de recursos.
Informações sobre postulantes LGBT+ antes só eram coletadas por organizações da sociedade civil, como a ONG (Organização Não Governamental) VoteLGBT+.
“A gente tem feito esse levantamento na unha há 10 anos. Por que como vamos fazer política pública sem dados? Por exemplo, é muito desproporcional a violência que as mulheres LGBT sofrem na política. Só que esse dado é um dado nosso, não é estatal. Com um dado oficial, a gente pode olhar para os problemas específicos”, diz Gui Mohallem, diretor-executivo da VoteLGBT+.
Na opinião de Mohallem, a falha na API não ofusca a mudança de postura de um órgão oficial em contabilizar informações do tipo. “A gente entende isso como uma falha, um descuido geral. Mas o TSE é a primeira instituição governamental que ouviu a gente e entendeu a importância de a gente ser contada enquanto população.”