Vistoria da CGU em emendas aponta obras atrasadas e falta de prioridade de projetos

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BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Com 3.800 habitantes, segundo o Censo 2022, o município de Pracuúba (AP) recebeu emendas parlamentares nos últimos anos para a construção de quatro campos de futebol, dois deles em uma mesma comunidade.

A cidade não tinha carência desse tipo de equipamento, segundo vistoria da CGU (Controladoria-Geral da União): Pracuúba já tem campos de futebol tanto em sua sede municipal quanto nas suas comunidades.

Além disso, campos que deviam ter sido feitos com a verba das emendas não foram concluídos ou suas obras nem sequer foram iniciadas.

Pracuúba se tornou um exemplo em relatório que a CGU enviou ao ministro Flávio Dino, do STF (Supremo Tribunal Federal), de que há poucos sinais de que as prioridades e necessidades dos municípios foram levadas em conta no repasse das chamadas emendas de relator e emendas de comissão do Congresso.

As emendas de relator eram o mecanismo utilizado pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) para conseguir apoio no Congresso Nacional, mas elas foram vetadas pelo STF em 2022.

Os recursos, porém, foram em parte transformados em emendas de comissão, que cresceram nos últimos anos e passaram a serem usadas com os mesmos fins.

Dino determinou à CGU a elaboração de uma lista dos dez municípios que mais receberam essas emendas per capita, de 2020 a 2023, e ainda uma visita de técnicos às cidades. O ministro é relator das ações no Supremo que questionam a transparência das emendas.

Como a Folha mostrou, cidades do Amapá que receberam emendas do senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) dominam o ranking dessas cidades.

As emendas são uma forma pela qual deputados e senadores conseguem enviar dinheiro para obras e projetos em suas bases eleitorais e, com isso, ampliar seu capital político. A prioridade do Congresso é atender seus redutos eleitorais, e não as localidades de maior demanda no país.

“Há pouca evidenciação de que as demandas feitas pelos Prefeitos, formalmente (via ofícios) ou informalmente (via visitas aos parlamentares), partam de uma definição prévia de necessidades/prioridades municipais”, diz a CGU no relatório.

O órgão do governo federal também aponta que 43% das obras patrocinadas com dinheiro de emendas de comissão ou de relator nesses municípios não foram iniciadas. De um total de 98 obras, diz a CGU, 42 não estavam iniciadas no momento da vistoria, 9 estavam paralisadas (9%), 36 estavam em execução (37%); e apenas 11 foram concluídas (11%).

O documento também aponta falta de transparência na utilização desses recursos. “A maioria dos municípios não possui ferramentas capazes de assegurar a publicidade e transparência dos dados, de modo a permitir o controle institucional e social do orçamento público e, com efeito, promover a eficiência da gestão pública e o enfrentamento da corrupção”, afirma o relatório.

O documento foi elaborado a partir de uma determinação feita no dia 1º de agosto, quando Dino determinou que a CGU apresentasse os dados dos dez municípios mais beneficiados.

O ministro também deu 90 dias para que o órgão apresentasse uma auditoria de todos os repasses de emendas parlamentares para ONGs e demais entidades do terceiro setor de 2020 a 2024.

A decisão ainda define que ONGs e entidades do terceiro setor devem estabelecer procedimentos objetivos para a contratação de empresas e seguir os “deveres de transparência e rastreabilidade” ao usar o dinheiro das emendas parlamentares.

No mesmo dia, Dino publicou outra decisão determinando auditoria da CGU em todos os repasses de emendas Pix –modalidade de emenda individual que acelera a destinação de recursos diretamente para os caixas da prefeituras de aliados dos parlamentares nos estados.

O ministro condicionou a execução das emendas Pix ao atendimento de requisitos de transparência e rastreabilidade.

No último dia 21, integrantes das cúpulas do STF, Congresso e governo Lula (PT) firmaram um acordo para aliviar a tensão sobre as ações que miram a transparência das emendas parlamentares. Relator dos processos, Dino concedeu mais dez dias de prazo, na quinta-feira (29), para os três Poderes apresentarem propostas de mudanças nas regras de distribuição destas verbas.