SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Trabalhar duro e ser menos reconhecida é a realidade das mulheres no país, que ainda hoje ganham 20,7% a menos que os homens. Também parece ser a da deputada federal Tabata Amaral, jovem da periferia de São Paulo que chegou a Harvard e se destacou nesta eleição pela sobriedade e tom propositivo em debates marcados pela pirotecnia retórica e desequilíbrio de oponentes.
Seus esforços, porém, não se refletiram nas urnas. Levou 605 mil votos, 1,2 milhão a menos que Nunes, que tem no histórico boletim de violência doméstica feito pela esposa.
Também levou 1,1 milhão de votos a menos que Pablo Marçal -que, aos 18 (idade em que Tabata ia para uma das melhores universidades do mundo), foi preso por furto.
O coach cruzou limites legais e éticos ao longo da campanha, da suspensão de perfil em agosto ao laudo falso contra Boulos. O psolista, rejeitado por 38% antes do primeiro turno, também obteve 1,1 milhão de votos a mais que a deputada.
O que explica que homens como Marçal tenham vantagem ampla sobre Tabata na urna? Por que mais de um milhão preferiram o influenciador condenado, expulso de debate, que se diz ex-viciado em pornografia e teria falsificado laudo contra rival?
A explicação envolve conjunto complexo de razões, entre méritos e deméritos de cada, como apoios de peso, tempo de TV e popularidade digital. Mas não é razóavel interpretar o fracasso de Tabata ante figuras como o coach ignorando-se o histórico de desigualdade de gênero na política.
Cerca de 51,5% da população é feminina, diz o Censo. Mas apenas 717 se elegeram prefeitas em primeiro turno dentre mais de 5,5 mil cidades.
Nos EUA, 40% acreditam que o fato de Kamala ser mulher pode prejudicá-la na corrida à Casa Branca -para a qual democratas e republicanos indicaram, na história, apenas duas mulheres (Hillary Clinton e a própria Kamala, após desistência de Biden).
Mulheres, aliás, também reproduzem o machismo na política. Marina Helena (Novo), única outra mulher na disputa com Tabata, deixou de questioná-la sobre temas relevantes como o feminicídio e preferiu acusá-la, sem provas, de usar dinheiro público para visitar o namorado.
A pessebista também não pôde sonhar com o voto feminino: 18% das entrevistadas disseram que votariam no autodenominado ex-coach que diz que “mulher é inteligente, mulher não vota em mulher”, ante 10% nela.
Parecendo exausta, Tabata desabafou após debate: “Sabe a merda maior? Estava lá que nem uma filha da puta falando sobre propostas, fazendo debate sério, e amanhã só vão falar do soco”. Teve que se explicar pelo palavrão: “Homem pode dar soco e mulher não pode falar [palavrão]?”
Tabata sabe que a régua muda conforme o gênero, e o pleito de São Paulo espelha isso. Pelos feitos e malfeitos, holofotes e votos foram, mais uma vez, dos homens.
Não é de surpreender. Na República, São Paulo teve 54 prefeitos, e apenas duas, Erundina e Marta Suplicy, eram mulheres.
Por quê? Desinteresse? Incompetência? Azar? Desalinhamento dos astros? Pode-se relativizar e debater, mas um exercício socrático rumo à raiz do problema da representação feminina levará sempre à mesma óbvia resposta. Vale aqui a paráfrase: é a misoginia, estúpido.