Cerca de 4,9 milhões de brasileiros vivem no exterior, uma população superior à de países como Croácia, Panamá ou Uruguai. Desses, 2,1 milhões residem nos Estados Unidos, segundo dados deste ano do Ministério das Relações Exteriores. Um exemplo dessa realidade é Simone Salgado, mineira que chegou aos Estados Unidos aos 21 anos, em 1998, em busca do “sonho americano”, como afirma. Hoje, aos 46 anos, é fundadora e CEO da holding S. Group Investments, que abrange cinco empresas nos setores financeiro e de serviços – a pioneira Made in Brazil, que há mais de duas décadas atua como uma loja de serviços financeiros; o Jumbo Meat Market, mercado voltado a produtos nacionais; a Rio, loja que vende açaí, sorvetes e salgadinhos; o Instituto Simone Salgado, que oferece cursos e treinamentos na área empreendedora; e a Monkey Money App, criado este ano para atender as necessidades da comunidade brasileira nos Estados Unidos, é uma fintech com elevadas pretensões nesse segmento.
Residente na Filadélfia, Pensilvânia, área de atuação das suas empresas, Simone construiu uma trajetória de superação. Chegou aos Estados Unidos e foi trabalhar como garçonete, mas rapidamente dedicou-se a entender as necessidades dos imigrantes brasileiros. Transformou os desafios em oportunidades de negócios. Além de empresária, ela se empenha em capacitar outras mulheres para o empreendedorismo e a independência financeira, compartilhando suas experiências por meio de livros como Inteligência Emocional Feminina, Gestão com Gentileza, Borboleta Social: Atitudes para Empreendedoras e Recomeço. Uma jornada ascendente e robusta. “Começamos a Made in Brazil com um investimento de US$ 35 mil. Felizmente, foi um sucesso”, afirmou Simone. A DC NEWS conversou com ela para entender mais sobre a sua trajetória como imigrante empreendedora.
DC NEWS – O que a motivou a se mudar do Brasil?
Simone Salgado – Cresci em uma família repleta de carinho e amor, mas com poucas condições financeiras. Por volta dos 10 anos percebi que éramos pobres. A primeira vez que essa realidade me atingiu foi quando pedi uma mochila, e minha mãe explicou que não podia comprar. Logo depois, veio o desejo de um tênis e mais tarde de um perfume, e as respostas foram sempre as mesmas. Aos poucos, comecei a entender o valor do dinheiro.
DCN – E o que fez?
Simone – Aos 16 anos, comecei a trabalhar como estagiária na Caixa Econômica Federal e, em seguida, no Banco do Brasil. Foi nesse ambiente que percebi com mais clareza as desigualdades. Via meus pais e minha família trabalhando muito, mas recebendo bem menos do que outras pessoas com as mesmas capacidades. Isso me despertou a curiosidade sobre como mudar essa situação.
DCN – Por que a escolha pelos Estados Unidos?
Simone – Uma amiga próxima, com quem tenho relação de mais de 30 anos, tinha irmãos morando nos Estados Unidos. Eu visitava a casa dela [no Brasil] e admirava como eles falavam inglês e traziam produtos importados, demonstrando uma condição financeira muito melhor. Foi nesse momento que decidi: “Quero ir para os Estados Unidos, porque vou prosperar lá”.
DCN – Como foi?
Simone – Aos 21 anos, consegui meu visto e fui com o desejo de tentar algo novo. Uma amiga me alertou sobre os desafios, como a possibilidade de trabalhar como babá, fazer faxina ou trabalhar em bares, mas eu estava determinada. Cheguei em fevereiro de 1999. Dois dias depois, já estava trabalhando em um restaurante português, onde fiquei por dois anos até de abrir minha própria loja, a Made in Brazil.
DCN – Ainda antes da abertura da loja, como foram as coisas?
Simone – Os primeiros meses foram muito difíceis. Dormi no chão por quase um ano e trabalhava de 11 a 12 horas por dia, inclusive nos finais de semana, sem descanso. Imigrantes, especialmente os que chegam sem visto, sem falar inglês ou sem uma profissão reconhecida, sofrem muito. Hoje, é mais fácil ver pessoas que chegam com condições melhores e mais estruturadas, mas a realidade da maioria é outra, é marcada por trabalhos pesados e poucos recursos. Gosto sempre de lembrar que, para quem vem sem estrutura, o caminho é árduo e distante de um conto de fadas.
DCN – E no seu caso?
Simone – Foram dois anos difíceis. Naquela época, o assédio sexual e moral era intenso, principalmente porque existia um estigma sobre mulheres brasileiras. Eu era vista como parte de uma narrativa preconceituosa de que muitas brasileiras estavam ali para se prostituir ou dançar em clubes, o que tornava o ambiente ainda mais hostil. Mesmo assim, observei o crescimento da comunidade brasileira na Filadélfia e, com minha experiência no comércio — algo que herdei da minha mãe —, vi uma oportunidade. Decidi, junto de uma amiga, abrir uma loja para atender essa demanda crescente.
DCN – Como surge o primeiro negócio?
Simone – Em fevereiro de 2000, começamos a planejar a abertura da nossa loja, a Made in Brazil. Com muita cautela e muita pesquisa. Levamos cerca de dez meses para juntar o dinheiro necessário e, em dezembro do mesmo ano, abrimos as portas. Investimos US$ 35 mil, uma parte com nosso dinheiro e outra por meio de um empréstimo do tio da minha amiga.
DCN – Houve apoio de seu círculo familiar e social?
Simone – As pessoas ao nosso redor achavam que éramos loucas, mas sempre acreditei que estávamos tomando um risco calculado. Felizmente, a loja foi um sucesso. O dólar teve uma valorização significativa, passou de R$ 1 para R$ 3, e nosso negócio cresceu rapidamente. Com atendimento excelente e funcionando de domingo a domingo, conquistamos nossa clientela e nos destacamos no mercado. Esse primeiro empreendimento foi uma prova de que, mesmo enfrentando desafios, com determinação e uma visão clara é possível construir algo de valor.
DCN – Já era uma empresa de serviços financeiros?
Simone – Nossa loja era pequena e, além de vender produtos típicos do Brasil, como guaraná, biscoitos, CDs, DVDs, fitas com novelas da Globo, também oferecíamos serviços de remessas de dinheiro. Nosso primeiro passo no setor financeiro foi atender à necessidade dos brasileiros de enviar dinheiro para o Brasil. Inicialmente, nos tornamos licenciados de uma empresa chamada Vigo, e depois passamos a trabalhar com a Western Union, aprendendo aos poucos como operar no sistema financeiro local.
DCN – Que é o foco da holding hoje, não?
Simone – Com o tempo, fomos crescendo e hoje nossa família administra a S. Group Investments, que abrange cinco empresas nos setores financeiro e de serviços. A comunidade brasileira na Filadélfia cresceu muito. Atualmente temos cerca de 55 mil brasileiros na região.
DCN – E o app? Nasce por quê?
Simone – Lançamos o aplicativo Monkey Money para atender a comunidade de língua portuguesa nos Estados Unidos, oferecendo remessas de dinheiro, transferências entre contas e educação financeira, algo que acreditamos ser essencial para o sucesso dos imigrantes.
DCN – O que você vê de diferente entre Brasil e Estados Unidos quando o assunto é a presença da mulher no mercado de trabalho?
Simone – Ao realizar a pesquisa para escrever o livro Inteligência Emocional Feminina, percebi que os Estados Unidos estão alguns passos à frente. Cerca de 14% das mulheres aqui ocupam cargos de liderança, enquanto no Brasil esse número já foi de 6% e, após a pandemia, caiu para quase 3%.
DCN – O que explica essa diferença?
Simone – Esse avanço nos Estados Unidos está relacionado a uma série de fatores, como leis que protegem as mulheres contra discriminação e assédio, o que cria um ambiente mais seguro e confortável para trilharem suas carreiras. Essas leis, que estão sendo introduzidas no Brasil agora, já são antigas por aqui e são efetivamente aplicadas. Acredito que aqui também elas tenham mais oportunidades de aprendizado e ensino, escolas e faculdades boas.
DCN – Já existe um cenário de equilíbrio?
Simone – Ainda existe uma forte discriminação de gênero em todo o mundo, incluindo nos EUA. A maioria das lideranças ainda é masculina, e, mesmo com a proteção legal alcançar a igualdade de salários e oportunidades permanece um desafio. Outra questão importante que destaco na atualização desse é o conceito de bullying entre mulheres, chamado de wollying, algo que também deve ser eliminado para promover mais apoio mútuo entre elas.
DCN – O que as mulheres precisam fazer para se sentirem prontas para a liderança?
Simone – Muitas mulheres carregam uma imagem distorcida de si mesmas. Resultado de traumas, bullying e humilhações que sofreram ao longo da vida, especialmente durante a infância. Se não há uma cura para essa autoimagem fragilizada, como é possível construir uma autoestima sólida? É preciso reconhecer onde estão suas fraquezas e inseguranças e, a partir daí, trabalhar nelas para fortalecer essa imagem interna.
DCN – Mas não é tão simples…
Simone – As escolas deveriam incluir no currículo não apenas a educação emocional, mas também práticas como meditação e assistência terapêutica e psicológica, especialmente porque sabemos que, no Brasil, seis em cada dez mulheres já sofreram algum tipo de violência doméstica. E em algumas regiões, como no Nordeste, esse número é ainda maior. Muitas mulheres conseguem superar essas experiências com o tempo, mas outras acabam carregando esses traumas por toda a vida.
DCN – O que reflete numa desigualdade em relação ao homem.
Simone – E nos leva a uma questão importante: como esperar que uma mulher tenha confiança para competir de igual para igual com um homem por uma vaga se ela ainda tem uma autoimagem fragilizada? Trabalhar a autoimagem é o primeiro passo para desenvolver autoestima saudável. É essencial que as mulheres reconheçam suas vulnerabilidades e fraquezas e a partir disso comecem um processo de cura e fortalecimento.
DCN – E qual é a importância do empreendedorismo na vida de uma mulher?
Simone – Existem dois caminhos principais para as mulheres no mercado de trabalho: construir uma carreira sólida em uma empresa ou empreender e, assim, trazer outras mulheres junto. Muitas mulheres que tomam a iniciativa de empreender conseguem criar mais riqueza e oportunidades, seja abrindo um salão de beleza ou um pequeno negócio. No entanto, é essencial que elas também se capacitem e busquem melhoria contínua.
DCN – Caso contrário….
Simone – …podem se estagnar em um crescimento limitado. A curiosidade e o desejo de aprender mais sobre o mercado são essenciais para o sucesso no empreendedorismo. Ao mesmo tempo, precisamos reconhecer que o sucesso e o que ele significa são muito individuais.
DCN – Qual é a individualidade do sucesso?
Simone – Algumas mulheres preferem ser donas de casa e cuidar dos filhos, enquanto outras querem trabalhar apenas para garantir seu sustento. E está tudo bem. Não devemos definir o empreendedorismo como o único caminho para o sucesso ou romantizar a ideia de que ele sempre trará grande riqueza e reconhecimento.
DCN – O que é mais importante?
Simone – O empreendedorismo oferece mais liberdade e oportunidades de escolha. No entanto, nem todas as pessoas que empreendem alcançarão fama ou grande riqueza. O sucesso no empreendedorismo é invisível para muitos e não é sinônimo de poder ou destaque na mídia. Mais do que buscar a imagem de empoderamento, devemos focar no respeito à individualidade de cada mulher. Cada uma deve ter o direito de fazer suas escolhas, buscar sua própria felicidade e definir seu sucesso de acordo com seus valores e objetivos. O importante é estar satisfeita com essas escolhas.
DCN – Seja qual for?
Simone – Seja qual for o caminho escolhido.